domingo, 18 de fevereiro de 2018

Eu, descoordenada, me confesso a favor da Educação Física

Genética. Andamos sempre à procura de semelhanças nos que são nossos. A minha mãe consegue sempre descortinar algo da sua avó no olhar da minha filha ou dela própria na destreza física do meu filho. Afinal, jogou básquete no colégio, era das mais altas, orgulha-se. Aliás, todos os netos têm algo dela, do pai dela, da avó, do bisavô… Como se não houvesse nenhuma outra família nos genes das crianças senão os dela.

Eu não saio à minha mãe. Sou totalmente descoordenada. Se há dez anos ficava envergonhadíssima de virar à esquerda quando toda a aula de step virava à direita, o que dá imenso nas vistas quando todo um colectivo está virado para o mesmo espelho... Hoje rio-me sozinha nas aulas de zumba ou de sh'bam (seja lá o que isso for) quando todas põem, coordenadamente, as mãos na cintura, as cruzam, sobem ao peito e cruzam outra vez, e depois tocam nos ombros e elevam os braços acima da cabeça – tudo numa fracção de segundo. Não consigo, parece simples, mas quando ponho as mãos na cintura, o ritmo da música confunde-me, os pés também, e já os braços estão ao alto, saltando todos os passos intermédios. “Está tudo bem?”, pergunta a monitora, lá à frente, a espreitar-me pelo espelho quando dou uma gargalhada por estar a fazer tudo mal. Claro que está e tento outra vez, sem sucesso.

E, contudo, na adolescência não fui má ginasta. Fiz rítmica e era sempre escolhida para as representações oficiais do clube. Lá íamos para o gelado Pavilhão Carlos Lopes, no cimo do Parque Eduardo VII, em Lisboa, de maillot, rabo-de-cavalo, os olhos e os lábios levemente pintados, a música arrancava e nós entrávamos a marchar. Começava a Habanera, de Carmen, e nós fazíamos a coreografia com cordas, bolas e maças. Um espanto. Confesso que, às vezes, a corda não me obedecia, mas conseguia sempre disfarçar tão bem que só a professora, uma ex-atleta olímpica, via e me ralhava no final. Na adolescência estas chamadas de atenção dão-nos cabo da auto-estima, mas também nos fazem querer corrigir e treinar até estar ao nível das outras.

Na vez seguinte, a ponta da corda chegou à minha mão e pude completar o passo ao mesmo tempo que as minhas companheiras, com salero! É de notar que nunca a professora me pôs a fazer bolas ou maças porque seria um desastre, embora, a corda também voasse por cima da minha cabeça ao mesmo tempo que fazia uma carpa no ar e a apanhava logo de seguida. Difícil!

Não tive Educação Física no 3.º ciclo e no secundário porque não havia pavilhão nem balneários. A escola ainda experimentou qualquer coisa como futebol, andebol, basquetebol e corridas à volta dos pavilhões, mas depois vestíamo-nos na sala de aula ou nas instalações sanitárias, com banho por tomar, e cedo se percebeu que aquilo era pouco higiénico e inviável no Inverno, quando ainda chovia com regularidade e o campo transformava-se num lamaçal. Nunca foi preciso inventar dores menstruais, uma entorse, falta de material ou uma declaração médica para não saltar, mal, o cavalo ou fazer o pino seguido da roda. 

Fiz pouco exercício físico na escola, mas muito fora dela, financiado pelos meus pais. Mensalmente, lá ia o senhor do clube a nossa casa para receber as quotas do judo, da natação e da ginástica rítmica. Por isso, é fantástico que as nossas escolas possam oferecer uma disciplina, dentro do horário escolar, em que os alunos podem experimentar quase tudo, até a competição. 

Sou descoordenada e dou graças à genética por os meus filhos não saírem a mim e serem excelentes atletas, mas não é por isso que defendo, como já fiz anteriormente, que a Educação Física deva contar para a média do final do secundário – até porque já estão no ensino superior. Se fosse no meu tempo, muito provavelmente ter-me-ia baixado a média, mas isso acontece com tantas outras disciplinas, por que é que esta tem de ser tratada de maneira diferente?

A Educação Física, bem dada, é uma disciplina completa que contribui para a saúde e bem-estar de quem a faz; que promove a cooperação, a colaboração, a solidariedade entre colegas; que os torna melhores pessoas porque têm de aprender a lidar com o insucesso, as más emoções, mas também com a alegria de conseguir ultrapassar uma contrariedade; que lhes transmite cultura geral – há mais modalidades além do futebol –, em suma, que os torna melhores cidadãos. Por tudo isto, não percebo como é que a decisão de Nuno Crato continua por revogar. Já é tempo. E agora, vou tentar memorizar a coreografia das mãos na cintura, cruzam, sobem ao peito, cruzam, e estendem-se por cima da cabeça, de maneira a fazer melhor figura na próxima aula.

Bárbara Wong

Fonte: Público

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