domingo, 4 de fevereiro de 2018

As escolas são todas (muito) diferentes. Os exames são iguais para todas

As escolas são muito diferentes umas das outras. O número de alunos abrangidos pelos apoios do Estado aos mais carenciados é um primeiro indicador ilustrativo das disparidades. Há 11 secundárias públicas no país onde ninguém, no 12.º ano, precisa de Ação Social Escolar (ASE). Isto em 463 para as quais esta informação está disponível.

Já noutras 30, pelo menos metade dos estudantes tem rendimentos tão baixos que precisa de ajuda e há uma, na Lousada, onde 74% cumprem os critérios para receber. Em média, neste nível de ensino, 28,5% dos estudantes estão abrangidos pela ASE.

No ensino básico, cerca de um terço das escolas (em mais de 900 para as quais o Ministério da Educação disponibiliza dados) estão inseridas em agrupamentos onde 50% ou mais alunos do 9.º ano têm acção social. Em apenas três ninguém recebe apoio. A média nacional é de 43,3%.

Outro exemplo ainda: em muitos agrupamentos todos, ou quase todos, os professores são do quadro. E outros há (13) onde entre 50% e 70% dos profissionais mudam todos os anos.

Quanto às famílias dos alunos, um dado mais sobre como tudo pode mudar de uma escola para a outra: há agrupamentos onde, em média, os pais têm, no mínimo, o 12.º ano; e outros há onde essa média não vai além dos 5 ou 6 anos de escolaridade.

Podemos prosseguir com as taxas de retenção. Os dados mais recentes, de 2016, que o Ministério da Educação acaba de disponibilizar, dizem que no 12.º ano a média nacional é esta: 30% dos alunos chumbaram. Mas em 45 escolas (em 567 para as quais há informação) pelo menos 50% dos alunos ficaram retidos: 42 são públicas e três privadas.

Reverso da medalha: estabelecimentos onde todos conseguiram acabar o 12.º ano. Aconteceu em 18. Só uma destas “escolas zero chumbos” é pública, fica em Nelas.

No básico a taxa de retenção nacional no 9.º ano ronda os 9%. Mas há uma escola (nas 1128 para as quais há dados) onde chega aos 66%, enquanto em 168 não se registam chumbos.

Públicas vs privadas

As diferenças dentro da rede de escolas começam logo pelo estatuto das mesmas: escolas públicas e privadas e, dentro das privadas, algumas que têm contratos de associação com o Estado, o que significa que o ensino ali é gratuito e que não podem fazer selecção de alunos na hora das matrículas porque são financiadas para suprir necessidades da rede estatal. Nas públicas a lei manda que também não haja selecção, mas há, desde logo, uma regra (entre outras) que obriga a dar prioridade aos alunos que moram perto, o que faz com que a população de uma escola oficial na Avenida de Roma, em Lisboa, seja necessariamente diferente da que fica perto de um bairro social, em Chelas.

Para tentar combater aquilo que parece ser um sistema que promove alguma concentração de estudantes com determinadas características, em vez de promover a diversidade, Alexandra Leitão, secretária de Estado Adjunto da Educação, disse no início deste ano ao Jornal de Notícias que o Governo iria estudar a possibilidade de introduzir quotas que permitissem “furar” a regra da prioridade à zona geográfica. O ministério não adiantou informação, mas à partida resultaria nisto: um aluno “de Chelas” poderia ingressar numa “escola da Avenida de Roma” — palavras de Alexandra Leitão. “Pensámos que uma forma de combater o contexto geográfico em que a escola se encontra poderá ser a introdução de um outro factor de prioridade, nomeadamente os alunos beneficiários de ação social escolar.”

A rede de ensino é heterogénea ainda por mais uma razão. O setor privado está representado de modo muito diferente nas diferentes regiões do país. Há zonas onde não há colégios a prestar provas no ensino secundário (pelo menos as que são tidas em conta no ranking (...), as principais), caso dos distritos de Portalegre e Guarda, e outras onde o peso dos colégios é bem significativo, não faltando hipóteses de escolha — olhando apenas para os oito exames mais concorridos, 21% das provas realizadas no distrito do Porto foram feitas em estabelecimentos privados e é também no Porto que está a segunda escola do país com mais provas nacionais realizadas, privada também: o Externato Ribadouro (a primeira em termos de estudantes a fazer provas é a pública Jaime Moniz, na Madeira, com 1811 provas). Já em Lisboa o peso dos privados é de 17% e em Évora de apenas 0,6%.

Independentemente das diferenças, uma coisa é certa: os alunos do ensino regular têm todos de fazer exames nacionais para concluir o 9.º do ensino básico e o 12.º ano do secundário. Estas provas são iguais para todos e contam 30% para a nota final. E, no caso do secundário, são também decisivas para quem quer entrar no ensino superior, porque servem igualmente como provas de acesso.


Nenhuma das diferenças entre escolas, como as atrás mencionadas, se fazem assinalar quando comparamos estabelecimentos de ensino com base no indicador mais simples e imediato: os resultados que os alunos têm nos exames nacionais. Os exames são cegos às diferenças.

E é por isso que, em colaboração, primeiro com a Universidade Católica e depois com a Católica Porto Business School, (...) tem procurado definir nos últimos anos diferentes grupos de escolas em função do contexto social e económico em que se inserem. No essencial, o objetivo é este: comparar as notas dos alunos de cada escola com a média nacional — porque os exames partem do pressuposto de que todos devem atingir um certo nível de conhecimentos, independentemente do sítio onde estudam — mas também com a média das escolas inseridas em contextos socioeconómicos parecidos.

Como se caracterizam contextos?

Esta comparação de escolas do mesmo contexto social permite perceber se uma escola com alunos com certas características se está a sair pior, melhor ou em linha com outras escolas que têm alunos com características socioeconómicas semelhantes.

Como fazemos isto? Usamos o indicador dos alunos abrangidos pela ação social escolar e o indicador da escolaridade dos pais. No “contexto 1”, o contexto mais desfavorecido, ficam cerca de um quarto das escolas onde há mais alunos apoiados pelo Estado e as habilitações médias dos pais desses alunos são mais baixas. O “contexto 2” é um contexto intermédio, pelo qual distribuímos mais 25% de escolas; no “contexto 3”, aquele onde os indicadores mostram uma população menos carenciada, e proveniente de famílias mais escolarizadas, estão outros 25%. Tudo isso pode ser observado nas tabelas que acompanham este texto. Um exemplo de leitura dessas tabelas: as 305 escolas básicas do “contexto 1” pertencem a agrupamentos onde, em média, 58% dos alunos do 9.º ano são apoiados pelo Estado; as 315 escolas do “contexto 3”, estão inseridas num agrupamento onde 29% são apoiados.

Os dados fornecidos pelo ministério com os chamados “dados de contexto”, como os da ação social ou as habilitações dos pais dos alunos, não contemplam, contudo, escolas privadas e também não há informação para nenhuma escola das regiões autónomas, pública ou privada. Ou seja, para a última fatia de 25% de escolas que faltava para caracterizar o universo dos estabelecimentos de ensino não há dados que permitam traçar o contexto social e económico dos alunos. Pelo que criámos dentro deste grupo dos “sem contexto” três subgrupos: o das “privadas” e um por cada região autónoma.

O que se espera?

Temos assim todas as escolas do país onde se realizaram exames distribuídas por seis grupos: 1, 2, 3, privadas, Açores e Madeira. Feita esta distribuição, calculámos para cada escola um “valor esperado de contexto” — use-se a sigla VEC — que é basicamente a média ponderada das notas obtidas pelos alunos nos exames (...). No ensino secundário são oito, das disciplinas com mais inscritos; no básico, dois, Português e Matemática.

Nas tabelas que acompanham este texto é possível ver, por exemplo, como Filosofia continua a ser no secundário a disciplina onde o contexto socioeconómico mais se faz sentir nos resultados: escolas públicas mais desfavorecidas (“contexto 1”) apresentam uma média de exame de 9,7 valores; escolas públicas do “contexto 3”, mais favorecidas, 10,75; escolas privadas 11,56.

Também calculámos um VEC para a média global (às oito do secundário e às duas do básico). E uma vez mais: o que se espera de uma secundária, por exemplo, do “contexto 1” (10,15 valores) é diferente do que uma escola do “contexto 3” consegue em média (10,61).

Por fim, para as escolas privadas e para as das regiões autónomas da Madeira e dos Açores calculámos não um VEC mas apenas um VE (Valor Esperado) porque, lá está, o ministério não fornece dados para contextualizar as escolas.

Na prática, este VE corresponde à média das notas de exame registada no conjunto das privadas, no das escolas madeirenses e no das açorianas, ponderada pelo número de exames feitos. O que permite ver, por exemplo, se a escola “A” privada se saiu melhor ou pior nos exames do que as restantes privadas; ou se a escola “Y” da Madeira está acima ou abaixo das outras do arquipélado.

É este exercício — comparar os resultados de escolas de diferentes contextos com as notas que seria de esperar que obtivessem face ao perfil dos seus alunos — que é possível fazer ao longo das várias listas e artigos que pode ler no "especial rankings" que publicamos neste sábado.

Fonte: Público

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