sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Como falar de deficiência às crianças?

Um dia Teresa Coutinho, assessora de imprensa do Parlamento Europeu, ex-jornalista, decidiu satisfazer por escrito a natural curiosidade do filho Lourenço, então com 4 anos, que queria saber porque é que a irmã Maria, com paralisia cerebral, era uma bebé diferente e porque teve de ficar na incubadora do hospital – “a caixa” como lhe chamava – durante algum tempo. Lourenço queria saber porque é que a irmã tão pequenina já fazia ginástica, porque é que não segurava a cabeça, porque é que mal gatinhava aos dois anos. Teresa procurou livros, associações, panfletos. E a tarefa foi difícil. “Havia uma lacuna no mercado de livros em Portugal”, lembra. E assim nasceu o livro “Maria, A Alegria na Diferença” escrito pelo seu punho e ilustrado por Pedro Sousa Pereira, repórter e ilustrador. 

Um livro que se assume desde a primeira página como “um exemplo para explicar às crianças que nem todos nascem iguais”. E também “uma lição de vida para ensinar os adultos a lidar com a diferença”. Com textos curtos e desenhos coloridos página a página, Teresa Coutinho apresentou o livro em várias escolas públicas e privadas, nas dos filhos também. Valeu a pena, pelas reações, pela forma como os mais pequenos respondiam às questões, como partilhavam os seus pensamentos sem qualquer receio. “As crianças encaram o outro como igual, que a deficiência é uma diferença especial”, conta ao (...). “As crianças estão habituadas à diferença”, acrescenta. 

Fácil explicar às crianças, mais difícil explicar aos adultos, aos que têm o poder de decidir se uma criança vai ou não passar a vida numa cadeira de rodas, se o acesso às terapêuticas e materiais é ou não gratuito, se há ou não rampas nos passeios e transportes públicos, se há ou não acessibilidades para todos. “Ainda há um grande combate de mentalidades a fazer, faltam elevadores, rampas, ainda há quem estacione nos lugares reservados aos deficientes. Ainda há uma mentalidade a mudar, ainda há adultos que olham para trás ou para o lado quando veem alguém diferente, que não sabem lidar com uma criança com deficiência”, sublinha. 

Há um ano, o livro foi editado em Espanha com uma grande projeção na comunicação social espanhola – em Portugal não foi bem assim. O livro está no Plano Nacional de Leitura do nosso país, há excertos em testes de Português do 1.º ciclo do Ensino Básico, está em várias bibliotecas escolares. E, no final do livro, está uma mensagem importante. “Aos que, sendo pais, não percebem que uma criança deficiente junto às suas é uma lição de vida: que os seus filhos crescerão a encarar como normal uma diferença que os próprios têm dificuldade em aceitar e os faz olhar para o lado.”

“Com este livro, tento ajudar a explicar às crianças porque existe esta diferença. E os adultos que precisam de explicar a um filho, a um familiar, a uma turma da escola o que é ser deficiente. Ou simplesmente habituar as crianças ao facto de que a diferença existe, mesmo que não partilhe com elas a mesma família, a mesma turma ou a mesma rua. Apenas existe”, escreve. 

Maria cresceu entretanto. Tem agora 9 anos, anda num colégio privado, numa turma regular. “E é uma menina superfeliz porque lhe é dada a oportunidade de ser igual”. Maria tem mais dois irmãos, Lourenço, de 12 anos, e Constança, de 5. Começou a andar aos quatro anos, caminha com ajuda de um andarilho. “Continua o seu caminho e a tentar ser o mais autónoma possível”. E os professores são essenciais neste trajeto por estarem ao lado de crianças que têm um papel muito importante em casa e que amanhã serão adultos. Maria continua a crescer e Teresa Coutinho pensa se não valerá a pena dar continuidade a essa história real com mais um livro e com uma mensagem que já navega na sua cabeça. “As pessoas diferentes conseguem vencer as adversidades e conseguem realizar os seus sonhos”. Como a Maria. 

Maria, menina com pressa 

A mãe Teresa partilha a história da sua Maria num livro, cujas receitas revertem a favor de associações que trabalham com pessoas com paralisia cerebral, uma em Portugal, o Sorriso da Rita, e outra associação de pais em Espanha. Não é ficção, é realidade. Maria teve pressa de conhecer o mundo, não sossegava quieta na barriga da mãe, e nasceu. Não foi bem como se estava à espera, teve de ir para uma incubadora e os mimos chegavam de todos os lados, através de um vidro, dos pais, do irmão, dos avós. Até que chegou o dia de conhecer o mundo. E sorriu pela primeira vez. “Mas, mais uma vez, não era fácil. A Maria não conseguia fazer as mesmas coisas que os outros bebés e precisava de ajuda para aprender”, escreve a mãe Teresa. 

Maria teve de fazer algumas coisas. “Começou então uma ginástica – com o nome esquisito de fisioterapia – que a ensinava a abrir os braços, a segurar o pescoço, a sentar-se, a pôr-se de pé, a tentar andar… Coisas que a Maria não conseguia fazer sozinha”, escreve. Ao lado da frase, desenhos com a ginástica da Maria. “Na escola, brincava com os outros meninos. Como não andava, eles vinham ter com ela, traziam-lhe os brinquedos, ajudavam-na a pintar com os lápis.” 

Maria era feliz, nadava na piscina, montava a cavalo, fazia fisioterapia. “Ela ensinava os meninos a limparem os seus óculos e mostrava-lhes o andarilho onde tentava dar os primeiros passos. Todos queriam experimentar.” E, certo dia, Lourenço, o irmão, perguntou o que é ser deficiente. E a mãe respondeu-lhe num livro colorido. “Há meninos que não conseguem ver, outros ouvir, outros ainda não andam, como a Maria. Alguns ficam sempre pequeninos. E isso torna-os especiais. E ser deficiente é isso mesmo, é ser especial.” 

“Não podemos ter a pretensão de que as crianças entendam nomes como paralisia cerebral. Mas temos de lhes explicar que ser diferente – afinal, a diferença da Maria – é uma realidade e que há muitos meninos assim. Mas não deixam de ser felizes, de ser meninos como eles. Brincam, riem, choram, cantam, fazem o que eles fazem. De maneira diferente. Especial”, escreve no final do seu livro numa página dedicada a pais e educadores.

Teresa Coutinho, mãe e escritora, percebeu então que a missão era mais fácil. “Porque as crianças aceitam a diferença sem julgar, rejeitar ou adjetivar. Não precisam de palavras caras nem com cargas negativas – como deficiência. Mas precisam de saber que elas existem, precisamente para que a carga negativa desapareça”. Precisam de respostas para a sua curiosidade. E foi precisamente isso que Teresa fez num livro colorido.

Fonte: Educare

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