sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Educação Inclusiva e autarquias

Cabe, como ponto prévio, reconhecer o grande esforço que tantas e tantas autarquias do país fazem para apoiar o desenvolvimento de projetos inclusivos. Muitas vezes esses projetos não se vêem a olho nu, não são imediatamente identificados como projetos de Educação Inclusiva. Por exemplo, quando uma autarquia consegue remover as barreiras de acesso a um jardim público, não parece ser uma medida com um impacto direto na Educação Inclusiva, mas é. Quando uma autarquia decide incluir no caderno de encargos dos transportes públicos a obrigatoriedade de um acesso universal, pode não parecer uma medida de Educação Inclusiva, mas é. Daqui se pode entender um aspeto fundamental: o campo de atuação e de abrangência da Educação Inclusiva é muito mais lato do que o que é delimitado pelos muros da escola. Mesmo que tudo fosse acessível dentro da escola (e infelizmente ainda estamos longe de poder celebrar esta acessibilidade para todos dentro do espaço escolar) a exclusão estaria à espera – e agressivamente – à saída da escola a confinar, a restringir a vida acessível ao espaço intramuros da escola. Sempre que uma autarquia torna um espaço acessível está a contribuir para uma Educação Inclusiva.

Mas o alcance das autarquias vai além desta intervenção nos espaços públicos. Temos tido abundantes e positivos esforços feitos por autarquias que conseguem, mesmo no meio de constrangimentos financeiros muito condicionantes, reservar meios e financiamento para apoiar as escolas nos seus projetos de se tornarem mais equitativas e inclusivas. Sabemos o quão duro é este processo, é optar por não fazer algo, para encontrar meios para fazer outra coisa, é pagar mais, é desviar recursos, é alterar escolas de trabalho, etc. Falaremos sobretudo da requalificação dos espaços escolares. Em alguns casos este património foi deixado tão vulnerável ao desgaste que as escolas parecem espaços de passagem, abandonados, impessoais e muitas vezes degradados. Os custos deste abandono são enormes e citaria só dois deles: é conhecido que a utilização de espaços degradados é em si própria encorajadora de atitudes e práticas de desprezo destes espaços. Nada melhor para deseducar os nossos alunos sobre limpeza, cuidado com as instalações, higiene, etc. do que fazê-los frequentar escolas sem manutenção, sem cuidados na qualidade do seu espaço. Um segundo fator é o custo do abandono do espaço dos recreios. Há pouco tempo quando visitei uma escola de 1.º e 2.º ciclo, a diretora da escola mostrou-me, orgulhosa, o recreio. Realçou o seu grande tamanho, que, na verdade era impressionante. Mas… o que era o recreio? Era um enorme espaço de alcatrão com umas árvores medrosas a assomar aqui e ali. O que se espera que as crianças façam num recreio destes? Espera-se que corram, que fujam, que se apanhem, que sentem a um canto com os seus telemóveis. É isso que queremos que sejam os nossos recreios? Lugares áridos, de revestimentos agressivos, sem mostrarem qualquer hospitalidade e recetividade para fazer jogos (materiais?), para brincar (equipamentos?), para fazer alguma atividade motora que não seja andar, sentar ou correr desenfreadamente. Lugares que convidem a procurar écrans e não pessoas?

Quando ouvimos tantas candidaturas autárquicas a acenar com tantos e tantos milhões para investir na recuperação do parque escolar cabe-nos perguntar se o parque escolar precisa só de ser recuperado ou precisa de ser remodelado, de ser (re)concebido em termos de promover a existência de escolas em que os alunos se sintam bem-vindos, em que sintam que os espaços da escola – bonitos e limpos – são seus e foram concebidos para os receber. Recuperar o parque escolar é muito mais do que só pintar paredes e empreender trabalhos de construção civil: é reconfigurar a escola como um espaço para todos e para cada um, enfim, como um espaço inclusivo.

Num tempo em que muitas equipas da direção das autarquias vão mudar ou encontrar um novo fôlego para organizar a vida dos seus munícipes, é um bom tempo para afirmar que, para se consumarem objetivos inclusivos na educação, não basta “mais do mesmo”. É essencial trabalhar com as escolas, ser audacioso e criativo para não termos escolas recuperadas só na sua arquitetura, mas recuperadas na sua conceção, de forma a que possam servir novos e diferentes objetivos daqueles para que foram criadas. Para isso precisamos de arquitetos, precisamos dos professores, precisamos de pessoas que pensem de novo os espaços escolares. Alguém disse que a arquitetura é determinante para a pedagogia. Certamente que é, mas a pedagogia tem que assumir a sua responsabilidade de intervir nos espaços públicos e escolares para melhorar a sua qualidade em termos de inclusão – a sua “inclusividade”.

As autarquias devem continuar a estar ao lado da Educação Inclusiva, apostando em escolas ricas, diversas e acolhedoras e em espaços públicos que sejam convidativos para todos.

David Rodrigues

Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial. Conselheiro Nacional de Educação

Fonte: Público

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