quinta-feira, 27 de julho de 2017

Educação: financiar para uma melhor aprendizagem

O debate sobre educação concentra-se frequentemente no nível da despesa. É, evidentemente, importante. Os sistemas educativos necessitam de um nível de despesa adequado para oferecer educação de qualidade. Um sistema educativo com uma infra-estrutura escolar deficiente, carência de professores e diretores de qualidade, oferta educativa pouco diversificada e tempo de aprendizagem reduzido, dificilmente permitirá aos seus alunos alcançar o seu potencial educativo. Mas, um debate tão ou mais importante, relaciona-se com o modo como os recursos educativos são utilizados.

Na verdade, quando associamos o desempenho médio dos alunos em cada país (utilizando o PISA como medida de desempenho dos alunos de 15 anos em leitura, matemática ou ciências) à despesa média por aluno (cumulativa entre os 6 e os 15 anos), observamos que existe uma correlação positiva significativa até um certo limiar da despesa (por volta dos 50,000 dólares) mas que, acima desse limiar, deixa de haver correlação entre estas duas variáveis. Isto quer dizer que, dentro do grupo de países que mais gastam em educação (que inclui quase todos os países da OCDE, entre os quais Portugal), um maior investimento educativo não se traduz, necessariamente, num melhor desempenho escolar. Os que mais gastam (Suíça e Luxemburgo) não são os que têm melhores resultados (Estónia, Finlândia, Japão). Estes dados sugerem que, a partir de um certo limiar de despesa educativa, o que faz a diferença é a maneira como os recursos educativos são utilizados. A pergunta fundamental para o financiamento educativo torna-se então: como assegurar que os recursos educativos são direcionados para onde podem fazer maior diferença em termos da aprendizagem dos alunos?

A OCDE tem vindo a realizar um vasto projeto sobre a utilização dos recursos em sistemas escolares de vários países (OECD School Resources Review) e lançou recentemente um relatório (The Funding of School Education: Connecting Resources and Learning) onde analisa, em termos comparativos, as estratégias de financiamento nesses sistemas. O relatório oferece uma série de recomendações para assegurar que as políticas de financiamento educativo promovem um uso eficiente e equitativo dos recursos educativos. Temas abordados no relatório incluem: que áreas devem ser prioritárias para o investimento educativo? Como ter em conta as distintas necessidades das escolas e dos alunos? Quem deve decidir sobre a utilização dos recursos educativos? Como monitorizar a utilização dos recursos educativos? Num contexto onde os recursos são limitados e existe forte pressão para encaminhar a despesa pública para outros setores, estas são questões de grande importância. O relatório oferece quatro orientações gerais no sentido de aliar estratégias de financiamento a melhor aprendizagem.

Primeiro, é vantajoso investir cedo, em particular na educação pré-escolar. Existe sólida evidência científica que demonstra que crianças que são expostas a estímulos cognitivos mais cedo que outras tendem a adquirir, com mais facilidade, competências e conhecimentos ao longo da vida. Os efeitos substanciais e duradouros da educação pré-escolar nos resultados escolares são particularmente elevados para crianças desfavorecidas, cujo ambiente familiar nem sempre ajuda ao desenvolvimento das competências de base necessárias para singrar na escola. Mais e melhor educação nas fases iniciais de aprendizagem leva a menos esforços de remediação em fases mais avançadas do percurso escolar. Deste modo, um investimento financeiro na educação pré-escolar é eficiente – no sentido de proporcionar uma melhor aprendizagem para todos com menos custos no futuro – e equitativo – no sentido de oferecer mais oportunidades, independentemente das circunstâncias pessoais e socioeconómicas dos alunos. Vários países têm percebido a importância de redirecionar o financiamento do sistema. A despesa em educação pré-escolar aumentou 45% entre 2000 e 2013 nos países da OCDE. Em 2014, num em cada três países da OCDE, a despesa por aluno no pré-escolar já era maior que no ensino primário.

Segundo, um objectivo importante do financiamento educativo nos primeiros anos de escolaridade (ensino básico) é limitar as lacunas de aprendizagem dos alunos com dificuldades. Remediar mais tarde é caro e ineficiente, seja através de reforço na aprendizagem (aulas suplementares, explicações), da retenção escolar (que é dispendiosa e ineficaz), ou de uma oferta educativa excessivamente diversificada no secundário como ajuste a uma distribuição mais ampla do desempenho dos alunos. O insucesso escolar impõe altos custos aos indivíduos e à sociedade em termos de coesão social e crescimento económico inclusivo. A melhor estratégia para atingir este objetivo é direcionar o financiamento educativo de acordo com as necessidades dos alunos e das escolas. Na prática, isto significa proporcionar mais recursos aos alunos mais desfavorecidos como mecanismo compensatório que assegure melhor igualdade de oportunidades.

Neste sentido, muitos países usam fórmulas de financiamento às escolas que têm em conta as características socioeconómicas dos seus alunos. O financiamento “extra” que as escolas recebem para fazer face às características dos seus alunos pode ser utilizado num vasto leque de estratégias: apoio suplementar (aulas extra); turmas mais pequenas para alunos com dificuldades de aprendizagem; estratégias diferenciadas e individualizadas de ensino (preparação dos professores para a diversidade de alunos; auxiliar pedagógico para o professor na aula); ou maior investimento em avaliação diagnóstica e formativa para identificar atempadamente dificuldades de aprendizagem. Por exemplo, na Bélgica, o número de horas docentes atribuídas a cada escola depende das características dos seus alunos – nível de educação da mãe, ser beneficiário da ação social, e língua falada em casa. Isto resulta num aumento de recursos docentes que, em alguns casos, pode ser de 40-50% em relação a uma escola com alunos mais favorecidos, ficando o seu uso ao livre critério da escola. Em suma, financiar com base nas necessidades educativas de cada aluno não só torna o sistema educativo mais equitativo, como, ao contribuir para que todos os alunos atinjam o seu potencial educativo, também o torna mais eficiente.

Terceiro, na fase pós-ensino básico, importa investir num sistema educativo inclusivo. Isto traduz-se na garantia de uma oferta educativa abrangente para acomodar a diversidade de competências, interesses e ambições dos alunos recém-chegados ao ensino secundário. Assim se asseguram oportunidades válidas para todos e se reduz o enorme custo do abandono escolar precoce. Alcançar a diversidade adequada da oferta implica, em particular, fortalecer ofertas no ensino profissional que sejam relevantes para o mercado laboral, com vínculos aos empregadores e experiência em ambiente laboral, mas que não se tornem becos sem futuras oportunidades educativas. O sistema de ensino profissional secundário alemão é caracterizado por altos níveis de despesa por aluno, oportunidades de experiência em meio laboral e forte envolvimento dos empregadores, tendo mais de 60% das empresas participação ativa através da oferta de cursos de formação de aprendizes.

Quarto, dar certa liberdade de decisão aos atores locais (escolas, diretores, professores) pode melhorar a utilização dos recursos educativos por via do seu melhor conhecimento das suas necessidades específicas. Por exemplo, a escola conhece melhor o perfil de professores mais adequado ao seu projeto educativo, está melhor colocada para configurar as turmas (por exemplo definir o seu tamanho consoante os grupos) ou para desenvolver estratégias para remediar o atraso na aprendizagem de certos alunos. Porém, maior autonomia na utilização dos recursos educativos só terá bons resultados se for lançada em bases sólidas. Condições essenciais incluem investimento na capacidade de liderança das escolas, recursos diferenciados de acordo com as necessidades de cada escola, marcos de referência e apoio externo, mecanismos de prestação de contas e um compromisso da comunidade escolar na monitorização das atividades das escolas. Por exemplo, em Inglaterra, as escolas recebem fundos adicionais para a implementação de estratégias educativas dirigidas a alunos desfavorecidos (cujo montante depende das características destes) tendo total liberdade na sua definição. Contudo, são obrigadas a tornar público o modo de utilização desses recursos e a mostrar o impacto das suas medidas à inspeção da educação.

Paulo Santiago

Chefe da Divisão de conselho e implementação de políticas educativas da OCDE

Fonte: Observador

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