quinta-feira, 22 de junho de 2017

Inclusão e Gratidão: a propósito de um Congresso

Não faltam estudos científicos a mostrar que o sentimento de gratidão está intimamente ligado ao sentimento de bem-estar. As pessoas que sentem mais gratidão são consistentemente consideradas na literatura (e no dia a dia) como sendo mais felizes. Mas afinal o que é o “sentimento de gratidão”?
O “sentimento de gratidão” pode ser dirigido a uma pessoa ou a uma instituição a quem reconhecemos que, numa determinada circunstância teve um olhar atencioso e de apoio. Seria um sentimento de gratidão por alguém ou alguma instituição que, num determinado momento, olhou para uma situação presente e lhe deu mais atenção do que seria esperado ou considerado merecido. Mas há outro tipo de gratidão.
É um sentimento difuso, mais permanente na nossa vida e que é, de certa forma, um organizador da nossa experiência no mundo. É o sentimento que se dedica a algo que elegemos como superior a nós como, por exemplo, “à Vida”, “a Deus”, ou “ao Infinito”. Ter este sentimento de gratidão a algo que existe consistentemente acima de nós é, antes de mais, um sentimento de humildade. Humildade porque ao nos sentirmos gratos assumimos que nem tudo o que fizemos ou somos é razão direta do que temos ou somos. Sentimo-nos gratos porque sentimos que as contas entre o que temos e o que merecemos estão claramente desequilibradas a nosso favor. Trata-se, assim, de um sentimento de insuficiência que nos faz sentir que, sem a contribuição de circunstância exteriores – pelas quais nós não somos responsáveis – não seríamos capazes de sequer ser o que somos. A gratidão é ainda um sentimento de humildade porque nasce da perceção da nossa insuficiência. Ser grato significa claramente que sentimos que não somos capazes por nós próprios de levar a vida que temos e isso faz-nos olhar com atenção para todas as pessoas que trabalham, que contribuem, para que possamos ser o que somos e fazer o que fazemos. E basta fazer o simples exercício de pensar quantas coisas fizemos e temos no dia de hoje que não são fruto da nossa autossuficiência: quem o fez o pão do pequeno almoço? E o café? Quem fez a casa onde moramos? (…)
Sentir-se grato está portanto nos antípodas das pessoas que acreditam na sua autossuficiência, nas pessoas que acreditam que o que são e o que têm se deve exclusivamente ao seu trabalho e à sua inteligência. Há mesmo quem diga que mereceria muito mais e que quem não possui o mesmo é porque é pouco inteligente, pouco esperto e preguiçoso.
Este sentimento de gratidão está certamente ligado à felicidade (com a perceção que temos sobre o sucesso da nossa vida) mas também se encontra ligado à inclusão.
Quando falamos de inclusão falamos sobretudo na aquisição de um conjunto de recursos que nos permite participar e ter um sentido de pertença a um determinado grupo humano. Estar incluído numa escola, por exemplo, significa que foi encontrado um ponto de equilíbrio entre a participação que a escola implica e a participação que cada pessoa é capaz. Esta participação, tal como a gratidão, é fruto de um sentimento de insuficiência e de incompletude. Quem se considera autossuficiente não sente a necessidade de acolher ninguém. João dos Santos escreveu que “uma pessoa que está cheia de si não tem espaço para acolher mais ninguém”. E é aqui que encontramos esta ligação mais vital entre a gratidão e a inclusão: ambas procuram o outro porque sentem que por si só são menos, são incapazes de encontrar respostas e felicidade. Por isso é tão importante em escolas que procuram ser inclusivas que se valorize o conhecimento mais aprofundado de uns e outros (para encontrar dimensões desconhecidas), que se valorize o trabalho efetivo de grupo (em que cada um pode encontrar um lugar próprio), em que se valorize a entreajuda entre todos (lembrando que todos podem numa certa fase da sua vida necessitar de ajuda), valorizando enfim a cidadania (afirmando o inabalável respeito pelo outro e pela escuta do outro).
É fundamental que saibamos como desenvolver estas competências na escola, criando nos alunos no contexto de atividade ricas e diversas este sentimento de gratidão aos outros e de saber que com eles podemos ir mais longe. Inclusão e gratidão.
Não temos muitos momentos para poder discutir em Portugal estas formas de desenvolver estes valores na escola. A Pró – Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial tem procurado através de uma intensa atividade de formação em serviço ajudar os professores e outros técnicos a refletir e adquirir valores que são essenciais para construir uma escola inclusiva. E neste aspeto, os valores são mais determinantes que os simples relatos de práticas. As práticas são irrepetíveis e quase sempre avaliadas como desadequadas para aplicar em contextos novos. Não é possível repetir, replicar práticas e por isso se deve na formação dar maior importância à discussão dos valores que inspiram as práticas. Tomando muitas vezes as práticas como ponto de partida, mas para chegar à discussão e reflexão sobre os valores que lhes estão inerentes.
Para além destes esforços de formação em serviço, de simpósios, de produção de uma revista e de documentos, a Pró – Inclusão organiza cada dois anos um congresso internacional. Muitas pessoas se lembrarão ainda do último congresso que realizamos em Lisboa - o ISEC 2015 - que juntou em Lisboa cerca de 600 participantes de 38 países. Este ano é, de novo, ano de congresso.
Escolhemos este ano o triângulo “Educação, Inovação e Inclusão” para sintetizar a preocupações que queremos que o congresso deste ano (o 5º) assuma. Será nos dias 6, 7 e 8 de julho próximo no auditório da Escola Superior de Comunicação Social e nas instalações da Escola Superior de Educação (também parceira nesta organização). 
Realçaríamos vários aspetos que constituem a mais valia deste congresso: em primeiro lugar a presença de conhecidos conferencistas nacionais (Laborinho Lúcio e Fernanda Rodrigues) e internacionais (Eileen Reymond do Council for Exceptional Children - EUA, Rodrigo Hüber Mendes - Brasil e Paulo Santiago - OCDE). Outro foco de interesse é a realização 3 mesas redondas com conhecidos especialistas que nos falarão de Direitos Humanos, de Inclusão e de Inovação. Teremos ainda a apresentação de cerca de 200 comunicações científicas organizadas em 10 áreas temáticas. Outra componente do Congresso que reputamos de grande importância é a realização de 10 reuniões focais em que serão discutidos temas centrais para a inclusão desde a Intervenção Precoce até ao Perfil do Aluno à saída da escolaridade obrigatória e o seu impacto para os alunos com necessidades específicas. Este congresso terá ainda uma componente importante ao nível de discussão de opções políticas. Teremos uma representação do Grupo de Trabalho sobre Educação Especial da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, com a presença de deputados de todos os grupos parlamentares. Teremos ainda a honra de receber neste congresso o Presidente do Conselho Nacional de Educação (Prof. David Justino), o Presidente da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência (Prof. Alexandre Quintanilha), os Secretários de Estado da Educação (Prof. João Costa) e da Inclusão para as Pessoas com Deficiência (Dra Ana Sofia Antunes) bem como o Ministro da Educação (Prof. Tiago Brandão Rodrigues). Teremos ainda a honra de receber o Senhor Presidente da República (Prof. Marcelo Rebelo de Sousa) que endereçará uma mensagem presencial ao Congresso no dia 7 às 16h00.
No momento em que está eminente a publicação de nova legislação sobre a Educação Especial e vivo e presente o debate sobre de que forma a escola no seu todo pode deve apoiar competente e precocemente todos os alunos que possam experimentar dificuldades, este congresso assume-se como um espaço de informação, de diálogo e de formação de opinião. 
Este congresso, como a Inclusão em si, é uma manifestação de um sentimento de gratidão: gratidão às crianças que em condições difíceis são tenazes na sua luta quotidiana, às famílias que os apoiam, às escolas que não desistem de nenhum aluno, aos professores inconformados com as passividades e dificuldades, aos políticos visionários que sabem que a Educação que apoiam hoje será aproveitada pelos políticos de amanhã. É uma enorme gratidão por todas estas pessoas, instituições, decisões que nos fazem hoje estar num dos lugares mais altos dos países mundiais na percentagem de alunos com deficiência que frequentam a escola regular. E sabem porque é bom estar num lugar alto? É para melhor vermos o caminho que falta trilhar, as atitudes que é preciso mudar, os recursos que temos de ter e sobretudo o profundo sentido de equidade e de gratidão que temos de instalar nas nossas escolas.
Sempre dizemos que os nossos alunos estão cada vez mais passivos. E nós, as pessoas que atuam no campo da Educação? Estamos ativos? Achamos que sim. Temos a certeza que sim. Por isso é que o(a) esperamos no Congresso da Pró – Inclusão. Inscrições ainda abertas em http://vcongressopinandee.weebly.com
Venha celebrar com: connosco no congresso. Celebrar a nossa insuficiência e a gratidão por termos chegado até aqui com energias, força e motivação para ir mais adiante. É que gratidão não é passiva, é, pelo contrário, uma forma de ser mais participativo e atuante.

David Rodrigues

Presidente da Pró – Inclusão (Associação Nacional de Docentes de Educação Especial)
Conselheiro Nacional de Educação.

Fonte: JL via FB

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