terça-feira, 28 de março de 2017

Em Reguengos os alunos de etnia cigana deixaram de ser uma minoria que vive à parte

Dalila, 12 anos, está indecisa entre ser professora ou cantora quando crescer. Começou por apontar a primeira profissão, mas não resistiu em juntar logo a segunda. Vânia, nove anos, segue-lhe os passos. Já Francisca, com sete, fica-se pela primeira opção.

Todas elas são de etnia cigana, bem como as outras três meninas que na tarde da última sexta-feira acorreram à antiga casa do juiz da comarca de Reguengos de Monsaraz, que agora pertence à câmara municipal. Vão lá quase todos os dias para terem apoio na realização dos trabalhos para casa, para pintarem, lerem, fazerem teatro.

“Para aprender coisas novas”, acrescenta Dalila, que está no 4.º ano de escolaridade e vai entoando várias músicas à procura da que dará melhor com a designação Dia do Estudante, que se assinalava naquela sexta-feira. Diz por isso que é também o seu dia.

As seis meninas fazem parte do grupo de 70 crianças e jovens entre os seis e os 14 anos que estão a ser acompanhados pelo projeto Criar Futuro, promovido pela autarquia e que é um dos 90 que integram a sexta geração do programa Escolhas. Este programa, apoiado pelo Alto Comissariado para as Migrações, tem como missão “promover a inclusão social de crianças e jovens de contextos socioeconómicos vulneráveis, visando a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social”.

Este é também o objetivo do Criar Futuro, que escolheu como público-alvo crianças e jovens com problemas de insucesso e de abandono escolar. Dos participantes atuais, cerca de 20 são de etnia cigana. Ou seja, quase metade dos estudantes desta etnia inscritos no Agrupamento de Escolas de Reguengos de Monsaraz, um dos parceiros do projeto, estão abrangidos.

Para já, o principal trunfo do projecto, que arrancou há um ano, é o de estar a “promover ativamente a integração”, frisa a vereadora da Educação, Joaquina Margalha. Na escola do 1.º ciclo de Reguengos esta “integração” pratica-se todos os dias por via das atividades que são desenvolvidas durante o recreio da hora do almoço — uma hora para desenvolver jogos e outras atividades que são organizadas pela equipa do Criar Futuro e que aos poucos tem “envolvido toda a comunidade escolar”, conta Rita Cavaco, 32 anos, que é professora do 1.º ciclo e coordenadora da iniciativa.

Inclusão digital

É ela uma das animadoras desta “dinamização do recreio”. Diz que passou a ser hábito a partilha de atividades e experiências entre os alunos de etnia cigana e os outros. “As relações entre eles melhoraram”, frisa. O mesmo se passa no outro eixo do Criar Futuro, que tem praça no Centro de Inclusão Digital. “Já vêm juntos da escola para cá”, refere José Carlos, 29 anos, responsável por este espaço e que faz também parte da equipa técnica.

No espaço, que dispõe de seis portáteis e uma impressora, estão dois alunos (...). André de 14 anos, cigano, e Ionel, 15 anos, romeno. Os filhos de imigrantes, que ali são sobretudo da Moldávia e da Roménia, fazem também parte do público-alvo do projeto. André está no 7.º ano, numa turma do Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF), destinado a alunos com um historial de insucesso. Ainda domina mal a leitura e a escrita, embora segundo José Carlos tenha melhorado com a passagem este ano para o PIEF, por este ter uma abordagem mais prática.

André corrobora ao mesmo tempo que percorre o seu Facebook. Quando tem dificuldades em escrever uma frase no chat pede a José Carlos que o ajude. Ionel também está à espera de apoio para montar um power point onde vai apresentar um guião de leitura do livro O Cavaleiro da Dinamarca, de Sophia Mello Breyner. O resumo tinha-feito antes, na sede do Criar Futuro.

“Os pais [dos alunos ciganos] também começaram a vir aqui, principalmente para tirar músicas para levarem para o culto e para consultarem anúncios e enviarem emails, sobretudo por causa dos seguros dos carros. E eu ajudo-os”, conta José Carlos. Em cima de uma das mesas do centro está um conjunto de folhas A3 com histórias do povo cigano. O trabalho, que envolveu as famílias dos estudantes, foi desenvolvido pelas alunas mais velhas, com o apoio de uma estudante do 12.º ano, Rosa Marques, 21 anos. Ao lado, noutra folha A3, está escrita esta frase: “Ser cigano é ser lutador.”

Para além de aluna do Agrupamento de Escolas de Reguengos, Rosa Marques também dá aulas no conservatório local. A sua perícia musical é uma mais-valia no contacto com estes alunos, que não perdem uma oportunidade para cantar ou dançar. Para participar na equipa técnica do Criar Futuro, Rosa comprometeu-se a concluir o 12.º ano. Falta-lhe fazer Matemática A.

“Vais conseguir. Tiveste boas notas!”, anima-a uma das suas parceiras noutro projeto previsto no programa do Criar Futuro, com o objetivo de “promover a integração social e comunitária”: a criação de uma associação de jovens de Reguengos. Foi constituída em fevereiro passado. “Queremos que os jovens se fixem por cá. Queremos que tenham uma voz no concelho”, resume Sofia Rico, uma das fundadoras da associação, que tem sede também na antiga casa do juiz da comarca.

Mobilizar as famílias

Na sala ao lado, quatro das meninas de etnia cigana estão a terminar os blocos multicores que têm na capa a inscrição Dia Nacional do Estudante. Foi a atividade escolhida para sexta-feira. Há outras duas que estão a fazer os trabalhos para casa com a ajuda de Cátia Godinho, 35 anos, psicopedagoga e que é responsável também por sessões de acompanhamento individual desenvolvidas no agrupamento de escolas com o objetivo de ajudar “a estruturar projetos de vida e trabalhar competências pessoais”.

Francisca olha pela janela. “Plantámos alfaces”, diz. Foi uma das últimas atividades no espaço do Criar Futuro. Lá para o Verão esperam ter uma horta completa.

Este espaço é mais procurado pelas meninas. Os rapazes também passam por lá, mas ficam menos tempo. O seu local preferido é o Centro de Inclusão Digital. Por ali não há gorros nem bonés nas cabeças. É uma das regras do projeto. Como também o é a pontualidade. As várias atividades diárias têm horas marcadas, que decorrem após o fim das aulas na escola do 1.º ciclo. Terminam às 16 horas e cerca de 15 minutos depois já há alunos a baterem à porta do Criar Futuro.

Mal começa a anoitecer regressam ao bairro onde vivem. É uma regra que as crianças de etnia cigana não quebram. Mas para as ter ali foi também preciso desenvolver um trabalho junto das famílias, ganhar-lhes a confiança. Rita Cavaco diz que esta missão tem dado frutos, mas está longe de estar concluída, já que o objetivo é que as famílias se envolvam também nas atividades do projeto.

“São famílias que não privilegiam muito a escolarização. Se não as conseguirmos mobilizar para este objetivo as crianças acabam por falhar”, resume Joaquina Margalho.

Fonte: Público

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