sexta-feira, 4 de novembro de 2016

"Não queremos ser jovens formatados"

Mariana tem 16 anos, é aluna do ensino secundário, e tem à frente o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, para lhe dizer o que faria se estivesse no seu lugar. A seu lado há mais uma dezena de alunos, do 1.º ciclo ao ensino superior, com a mesma incumbência. “Se fosse ministro da Educação reduzia as cargas horárias para que tivéssemos tempo de ser crianças e jovens. Em vez de aulas com o professor a expor a matéria promoveria a aprendizagem por experimentação e observação, porque assim como é em 50 minutos de aulas com o professor a falar apenas retemos cinco a 10 minutos do que ele diz”, enumera Mariana.

Tiago Brandão Rodrigues pergunta-lhes se podem dar um exemplo de um professor que ensine assim. Ninguém levanta o braço. Mariana prossegue: “Os currículos são tão extensos que nas aulas nem temos tempo para pôr dúvidas. Os professores dizem logo que temos de passar à frente”. É uma das “revoltas” que, nesta sexta-feira, cerca de 100 alunos de 11 escolas de diferentes pontos do país descobriram ter em comum. A convite do Ministério da Educação reuniram-se em Leiria para debater a escola que têm e aquela que queriam ter. O ministério chamou ao encontro “A Voz dos Alunos” e eles não se fizeram rogados.

“Temos tanta coisa para dizer!”

Numa corrida contra o tempo, estiveram toda a manhã reunidos, cada nível de ensino na sua sala, para chegarem a diagnósticos e propostas comuns, que tanto o ministro, como o secretário de Estado da Educação, João Costa, garantiram que serão tidas em conta na revisão dos currículos que o ministério está a preparar. Para os alunos do secundário, o tempo é demasiado curto: “Temos tanta coisa para dizer!”

Entre os alunos do 1.º ciclo, a escola ainda é basicamente “fixe e divertida”, o que já não sucede com os mais velhos. Mas todos coincidem no retrato da escola que queriam ter: mais aulas práticas, mais debates, mais trabalhos de grupo, mais visitas de estudo, possibilidade no secundário de poderem escolher disciplinas em vez de áreas compartimentadas, mais arte, mais cidadania, maior ligação à prática, turmas mais pequenas, menos trabalhos para casa, professores motivados e que não desistam dos alunos.

“Precisamos de saber que há mais vida para além da escola e não estar ali só para ir passando de ano”, comenta Manuel, aluno do 9.º ano de escolaridade. Do grupo do secundário vem a seguinte constatação: “A pergunta que mais fazemos aos professores é saber se o que estão a dar vai sair nos testes”. Consideram que o peso destes e dos exames está sobrevalorizado e que por causa disso não se podem “dar ao luxo” de aprender o que gostavam. Seja por causa disto, da extensão das matérias, das metas curriculares, queixam-se de que “professores e alunos andam todos stressados”.

Falta espírito crítico

Não é isto que querem. Desejam uma escola que lhes “conceda as ferramentas necessárias para todas as esferas da vida”. Mais uma vez do grupo do secundário vem o recado: “Ainda há muito a fazer nesta matéria. Um aluno que acaba o secundário, aos 18 anos, não sabe como preencher o IRS, nem pensar por si próprio para decidir em que partido votar”.

Falta espírito crítico. E sobre isso Mariana tem mais um recado a apresentar: “Não queremos ser jovens formatados, mas sim cidadãos do mundo”. Para eles, a escola do futuro é feita destas grandes mudanças, mas também de coisas mais corriqueiras como algumas das que foram identificadas pelo grupo do 2.º ciclo: melhorar a comida do refeitório ou ter papel higiénico nas casas de banho.

João Costa, que assistiu à apresentação das conclusões, gaba a “qualidade da reflexão” que foi feita pelos alunos. Diz que tem 32 páginas de apontamentos com o que foi sendo dito por estes e que resume em três grandes áreas: articulação entre aprendizagem e cidadania; metodologias mais ativas em sala de aula; alargamento do leque de opções no ensino secundário. Tiago Brandão Rodrigues destaca a novidade da iniciativa: “Nada disto tinha acontecido antes. Quando chegarem à altura de ter filhos vão saber que contribuíram para o que estão a aprender, para o que será o ensino no futuro”.

Fonte: Público

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