segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Congresso Internacional Escola Inclusiva

Divulga-se o Congresso Internacional «Escola Inclusiva: Educar e Formar para a Vida Independente», que decorrerá na Casa das Histórias Paula Rego, Cascais, dia 3 de Dezembro.

Inscrições:
1 a 20 de novembro – 20,00€
21 de novembro a 2 de dezembro – 30,00€

A conferência terá tradução bilingue (PT/EN) e língua gestual.

Programa:
08:30 – Registo dos participantes

09:30 – Mesa de abertura
• Secretário de Estado da Educação, João Marques da Costa
• Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras
• Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Artur Santos Silva (a confirmar)
• Diretor do Centro de Formação de Escolas de Cascais, José Marcelino
• Vice-Presidente da Direção da CERCICA, Rosa Maria Lucas Neto

10:15 – Conferência “Advancing Inclusive Education: Transformative Steps on the Path”
Gordon L. Porter, Inclusive Education Canada, Education Training Group, University of New Brunswick

11:00 – Coffee break

11:30 – Conferência “Educação Inclusiva: resistir pela escola que queremos”
David Rodrigues, Associação de Professores de Educação Especial, Centro de Investigação do IE/UL, Conselho Nacional de Educação
Moderador: Pedro Cunha, Direção-Geral da Educação

12:15 – Debate

12:45 – Almoço livre

14:00 – Conferência “Formação de professores para a inclusão”
Teresa Leite, Escola Superior de Educação de Lisboa, Conselho Nacional de Educação

15:00 – Painel “Escola Inclusiva de 2ª Geração”
Luísa Ucha, Secretaria de Estado da Educação - Grupo de Trabalho Escola Inclusiva
Manuela Tender, Assembleia da República - Grupo de Trabalho Educação Especial (a confirmar)
Moderadora: Filomena Pereira, Direção-Geral da Educação

16:00 – Debate

16:30 – Mesa de encerramento
• Vereador da Câmara Municipal de Cascais, Frederico Pinho de Almeida
• Diretor do Centro de Formação de Escolas de Cascais, José Marcelino
• Vice-Presidente da Direção da CERCICA, Rosa Maria Lucas Neto

Fonte: DGE

domingo, 30 de outubro de 2016

II Seminário “Sei trabalhar”

Federação Portuguesa de Autismo promove, no dia 17 de novembro, o II Seminário "Sei trabalhar", na União das Associações do Comércio e Serviços.

A iniciativa conta com o apoio do INR, I.P., através do programa de financiamento a projetos deste instituto, e abordará as seguintes áreas temáticas:
  • Metodologias de Intervenção ao longo da vida das Pessoas com Perturbações do Espetro do Autismo (PEA). 
  • Apresentação do projeto da Unidade de Formação Profissional do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
  • Alguns exemplos de guiões/recomendações para empresários.
  • Apresentação do Projeto Sei Trabalhar, INR,I.P. 2016.
  • Apresentação do Guião para distribuição aos empresários e discussão com alguns dos autores do texto e das ilustrações. 
  • Afinal quem resiste à mudança? 
  • Qual futuro para as pessoas com Perturbações do Espetro do Autismo?

A inscrição no seminário é gratuita e obrigatória através do link: https://docs.google.com/forms/d/1wI1sphhgdY3sYSUZVbq_X-zdwuPqf9BjXxcf1w2umhY/edit

Fonte: INR

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Governo compromete-se a incluir livros para invisuais no Plano Nacional de Leitura

A secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, comprometeu-se nesta sexta-feira, em Coimbra, a incluir livros em braille e de leitura tátil no Plano Nacional de Leitura (PNL), embora sem assumir datas.

"Comprometi-me a começar agora a reunir para ver como vamos incluir [aqueles livros no PNL] e havemos de conseguir", disse a governante, no final da sessão solene das V Jornadas Deficiência Visual e Intervenção Precoce, que decorreram no Hospital Pediátrico de Coimbra.

A promessa de Ana Sofia Antunes acabou por ir ao encontro do desafio lançado pelo presidente da Associação Nacional de Intervenção Precoce (ANIP), Luís Borges, que apontou duas falhas no PNL: o facto de não abranger crianças invisuais e de não abranger as crianças em idade pré-escolar.

Fonte: Público

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Encontro «Quando a Comunidade é Resposta»

A Câmara Municipal de Sintra e a Pais em Rede (ONGPD) vão realizar, nos próximos dias 10 e 11 de novembro, no Auditório Jorge Sampaio no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, o Encontro «Quando a Comunidade é Resposta».


Via DGE

O que não devemos aprender com a Noruega

Um terço dos alunos deixa a escola aos 16 anos por falta de interesse. Mas não é essa a principal causa de stress dos professores.

Os professores são os profissionais que mais metem baixa médica, são os trabalhadores que mais sofrem de esgotamento laboral e de stress. Podia ser uma conclusão portuguesa, mas esta vem da Noruega.

Einar Skavik é professor universitário e investigador na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia. Estuda o que provoca o desgaste dos professores no seu país, onde o ensino é publico e gratuito. Conclui que a principal causa é a sobrecarga de trabalho administrativo, além das aulas:"..e os professores mais dedicados, mais motivados e que mais investem na preparação dos seus alunos, são os que estão em maior risco de esgotamento".

Poderíamos continuar a falar dos professores portugueses. Mas entre as queixas de quem dá aulas na Noruega, há poucas ou nenhumas referências à indisciplina dos alunos. Einar Skaalvik explica que "na escola primária há problemas disciplinares mas, se olharmos para os professores do ensino secundário e superior, a indisciplina não tem nenhuma relevância".

O investigador reparou que há medida que se avança no grau de ensino há outros desafios. Continua a não ser indisciplina, "tratam dos seus assuntos, usam os telemóveis, o que parece não causar problemas nas aulas. O que notamos é que a falta de interesse afeta a noção de eficácia dos professores".

O uso de dispositivos eletrónicos não é proibido nas escolas da Noruega, depende dos professores. É silencioso, só desvia a atenção. Mas desvia tanto que um terço dos alunos abandona a escola mal termina o ensino obrigatório aos 16 anos.

O país parece apanhado de surpresa por esta debandada. "acho que não temos boa informação sobre o que acontece depois a estes jovens. Sem diploma podem procurar emprego, mas não há empregos para pessoas de baixas qualificações na Noruega... Na verdade não sabemos o que lhes acontece".

Ao comparar estes dados da desmotivação dos alunos noruegueses, Einar Skaalvik descobriu que é o mesmo: em Portugal, na Europa, nos Estados Unidos ou no Médio Oriente.

O conselho aos professores é também universal: " Ensinar é como correr a maratona. Não podemos acelerar logo no início. É preciso pensar que é uma carreira de 30 anos e que queremos chegar ao fim".

Fonte: TSF por indicação de Livresco

Secretária de Estado da Inclusão visita escolas integradas em Vila Franca

Luís Gonçalves, de 13 anos, usa uma cadeira de rodas e tinha coisas para dizer - mas sobretudo para pedir - à secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência: uma rampa para poder deslocar-se para o campo de futebol mais facilmente, melhores condições para estar no recreio, com os meninos, a brincar. "São os colegas que o ajudam. Mas às vezes é complicado subir a rampa. A cadeira é pesada", diz a professora Raquel Oliveira.

A turma é o 7º E, da Escola Básica D. António de Ataíde, em Vila Franca de Xira, que compreende os 1º, 2º e 3º ciclos. O Luís tem ainda estrabismo e não consegue ler nem escrever. Seria essencial que pudesse ter acesso a um tablet especial para que pudesse acompanhar melhor as aulas. A escola foi visitada pela secretária de Estado Ana Sofia Antunes na sexta-feira, 21 de outubro.

Na mesma sala do Luís, há outro colega, o Ricardo, que às vezes também usa cadeira de rodas. Envergonhados, os alunos pareciam não ter muito para dizer àquela senhora loira e alta, com um cargo no Governo, e que trazia consigo uma bengala de cor rosa. A professora ajudou. Afinal, as crianças até tinham preparado tudo e feito uma lista: "Há muitas escadas no recinto escolar - são necessárias mais rampas" e as rampas que existem são de terra e têm muitos buracos que dificultam a passagem das cadeiras de rodas. 

Ana Sofia Antunes ouviu atentamente e respondeu, sem tiques de discurso político, mas fez promessas: "Sabes Luís, tenho as minhas funções no Governo e existem coisas que estás a pedir que não são da minha responsabilidade. Essas obras que são necessárias são da competência do Ministério da Educação, mas prometo que falarei sobre o que me pediram para que possam ter mais condições".

Fonte: O Mirante por indicação de Livresco

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

OS INCLUÍDOS… EXCLUÍDOS

Hoje vou vestir o meu hábito de cor a fugir para o satírico pela simples razão que ando a ficar mais do que farto com as constantes patacoadas que amiúde surgem nos órgãos de comunicação social. Desta vez, tocou ao Diário de Notícias (23 de outubro de 2016) escrevinhar qualquer coisita sobre as crianças e adolescentes com necessidades educativas especiais (NEE), dando-lhe o sugestivo título de “Ensino especial vai ter planos individuais e mais tempo em sala”. Logo aqui, continua a teimosia de se usar o termo “Ensino especial”. Quem estiver realmente por dentro do que os princípios que regem o movimento da inclusão traduzem (é de extrema importância que, para além da inclusão dita “social” se considere a “escolar”), verificará que o termo “Ensino especial” há muito se tornou obsoleto. Só que no nosso país são tantas as almas que o usam que se pode chegar à conclusão que são poucas as que realmente estarão dentro destas matérias. Frases de circunstância, como as que lemos no referido artigo, tal como, pretendemos uma “escola em que as crianças não estão apenas integradas, mas incluídas em sala de aula, em ambiente de aprendizagem com os colegas, sem desinvestimentos nos apoios necessários” (mas que diabo, a partir de 2005 não nos iam dizendo que a maioria dos alunos com NEE já estavam “incluídos” nas nossas escolas?) ou, “Há unidades que realmente funcionam como sendo unidades de inclusão, no sentido de que proporcionam aos alunos oportunidades de inclusão e outras que não funcionam. Tornam-se um pouco guetos dentro das escolas” (Afirmações à “La Palice”, gratuitas, por falta de evidência), não passam disso mesmo. São inscritas em meros artigos de jornal a não necessitarem de recheio científico ou pedagógico, dirá quem neles escreve e quem neles opina.

Mas, alto lá!

Minhas senhoras e meus senhores, será que não se pode melhorar a receita com uma pitadinha de fermento científico-pedagógico, mantendo um mesmo estilo, o jornalístico? Claro que pode!

Tomemos como exemplo o artigo referido acima. O que ele nos diz é que o Ministério da Educação está a reformular o DL 3/2008, de 7 de janeiro, e que essa reformulação em princípio estará concluída no final de outubro, seguindo-se-lhe, espero eu, a respetiva discussão pública. Ora se a reformulação está prestes a sair do forno, não seria de esperar um artigo mais “recheado de novidades” que não só a questão das unidades, muito mal tratadinha (nos dois sentidos), coitadinha, a deixar-nos a todos baralhados com tamanha maceração de palavras. Esta até está mais ou menos explícita no DL 3/2008, dado que refere que, quer as unidades de ensino estruturado (alunos com perturbações do espectro do autismo), quer as unidades de apoio especializado (alunos com multideficiências ou surdocegueira congénita), devem “Promover a participação dos alunos com perturbações do espectro do autismo ou dos alunos com multideficiências ou surdocegueira congénita, nas atividades curriculares e de enriquecimento curricular junto dos pares da turma a que pertencem” e que as escolas ou agrupamentos devem “promover a sua participação social”. O pior é que tudo isto ficou apenas no papel, pois, se assim não fosse, estes alunos teriam tido a oportunidade de, realmente, serem observados e avaliados de acordo com as suas capacidades e necessidades e ter-lhes-ia sido elaborado um “verdadeiro” programa educativo individual onde as questões pedagógicas e socioemocionais que nele constassem determinariam não só o tipo de resposta educativa, mas também a percentagem de colocação na turma a que pertencessem. A questão dos 60% é um mero expediente para inglês (melhor dizendo, português e comunidade europeia) ver, ou até para a diminuição do número de turmas (Estão a ver a jogada economicista?).

Dito isto, porque será que se continuam a escamotear os verdadeiros flagelos que atormentam a educação de alunos com NEE?

Não seria razoável, uma vez que a remodelação já está a entrar no adro, que nos dessem uma explicaçãozita quanto a esses flagelos? Eu aclaro.

Para promovermos uma educação de qualidade para os alunos com NEE (Aproveito aqui para afirmar, uma vez mais, que no espectro das necessidades educativas especiais se devem incluir os alunos com dificuldades de aprendizagem específicas: Com dislexia, discalculia e disgrafia) é preciso que tenhamos todos os ingredientes que nos permitam fazê-lo. Assim, não seria importante que todos falássemos a mesma linguagem para deixarmos de ver por aí uma multitude de interpretações de conceitos (Ex.: inclusão, NEE, educação especial)? Que todos verificássemos que as escolas estavam a perfilhar um modelo (dar importância ao processo antes de nos focarmos nos resultados) que promovesse sucesso para os alunos com NEE? Que os professores do ensino regular e de educação especial tivessem uma formação adequada nestas matérias (As instituições de formação, universidades e afins, não estão, de forma alguma, a desempenhar o seu papel. Basta olhar para os planos de estudos nas áreas de ensino e educação e na de educação especial. Ainda, o Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua parece andar alheio a tudo isto mantendo, nas especializações em educação especial, domínios totalmente obsoletos. Por fim, temos também o Conselho Nacional de Educação quedo e mudo no que respeita a estes assuntos, embora vá deitando cá para fora uns relatórios sem substância para justificar a sua existência)? Que as escolas tivessem, realmente, acesso aos recursos especializados que lhes permitisse responder com eficácia às necessidades dos alunos com NEE? Que o financiamento fosse compatível com o número de alunos com NEE que frequentam as nossas escolas (Garanto-vos que se nos reportarmos aos alunos com necessidades especiais – risco, NEE, sobredotação – serão mais de 200 a 250 mil alunos. Caso consideremos só os alunos com NEE, serão mais de 120 mil, número bastante superior ao considerado pelo ME, 70 mil)?

Embora nada disto tenha sido mencionado no artigo, espera-se que estes ingredientes façam parte da remodelação do DL 3/2008, ou seja, que eles sejam consagrados, ou pelo menos considerados, na nova peça de legislação. Nunca esquecer que ela será o “livro de receitas” responsável pela educação dos alunos com NEE. Caso desacerte, a maioria dos alunos “incluídos” continuarão a ser “excluídos” funcionalmente.

Luís de Miranda Correia

Fonte: IPODINE via FB

Chumbar rapazes no 4.º ano não ajuda a melhorar

Um estudo da Universidade Nova de Lisboa concluiu que reprovar alunas do 4.º ano com mau desempenho escolar tem um efeito positivo muito reduzido e, entre os rapazes, não traz qualquer vantagem.

"Será a Repetição de Ano Benéfica para os Alunos?" é um estudo da autoria de Luís Castela Nunes, da Nova School of Business and Economics, Ana Balcão Reis e Carmo Sobral, que é apresentado esta quarta-feira em Lisboa, no âmbito do ciclo de debates "Mês da Educação", promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Para analisar os efeitos do chumbo, os investigadores decidiram acompanhar o percurso escolar de um grupo de estudantes que frequentavam o 4.º ano em 2006/2007 e seguiram a sua trajetória escolar até realizarem os exames finais do 6.º ano.

Para o estudo foram escolhidos os alunos com negativa nos dois exames nacionais do 4.º ano de Matemática e Português, uma vez que chumbar a essas provas não implicava reprovar de ano.

A equipa da Universidade Nova de Lisboa dividiu então os alunos em dois novos grupos: os que ficaram retidos no 4.º ano e os que passaram para o 5.º ano com negativa às duas provas.

Os investigadores compararam assim alunos com baixo desempenho escolar, mas diferentes percursos escolares e concluíram que reter um aluno tão novo tem um impacto muito pequeno ou nulo nas notas obtidas em anos seguintes.

Maior propensão para reter os rapazes

No geral, os alunos que ficaram retidos acabaram por melhorar muito pouco as suas notas: houve um aumento de cerca de 0,1 valores na escala de 1 a 5 nas provas nacionais de 6.º ano, conclui o estudo.

Sendo que, no caso dos rapazes, o efeito no seu desempenho foi mesmo nulo, conclui o estudo ao acompanhar o percurso dos alunos entre 2006/2007 e 2009/2010.

Os investigadores defendem que os resultados desta análise não podem ser usados para decidir se um dado aluno deve ou não ser retido: "Alguns alunos podem beneficiar duma retenção, enquanto outros podem ser afectados negativamente."

"A progressão escolar nos anos subsequentes parece ser mais rápida para os alunos inicialmente retidos do que para os alunos que transitam. Mas mesmo quando obtemos um efeito positivo da retenção na progressão escolar subsequente, esse efeito não é suficientemente forte para compensar o ano de atraso causado pela retenção inicial", defendem os investigadores que acabam por concluir ao mesmo tempo que, afinal, "o efeito geral da retenção na progressão escolar de um aluno de baixo desempenho é negativo".

Em Portugal há uma maior propensão para reter os rapazes, nacionais ou descentes de outros países de língua portuguesa, assim como os alunos com mães com nível de educação inferior, sublinham ainda os investigadores.

Já "o facto de receber apoio social escolar ou de ter computador ou internet em casa não influencia a probabilidade de retenção", lê-se no documento que será hoje apresentado na Torre do Tombo, em Lisboa.

Portugal é um dos países da OCDE com a mais elevada taxa de retenção e cada chumbo representa elevados custos para o sistema de ensino, por isso os investigadores defendem que esses recursos financeiros "poderiam ser usados em políticas educacionais alternativas mais eficazes no apoio aos alunos com baixo desempenho".

Fonte: Público

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Criança autista rejeitava abraços até ter tocado num cão

Uma criança autista, com graves problemas de sociabilidade, rejeitava qualquer contacto humano, incluindo os próprios pais. A presença de um cão mudou para sempre a relação desta criança com o mundo. Quando conheceu o animal, a primeira reação do menino foi abraçá-lo.

Kainoa Niehaus tem cinco anos e vive no Japão com os pais. A criança sofre de autismo e tem grande dificuldade em socializar, uma vez que não tolera qualquer aproximação ou toque humano.

Os pais de Kainoa queria arranjar um animal de estimação que pudesse estimular o filho e ajudá-lo a superar as barreiras impostas pela doença.

Depois de dois anos à espera, a família viajou até aos Estados Unidos para conhecer Tornado, um Golden Retriever que está na 4 Paws for Ability, associação que ajuda pessoas deficientes através de estímulos com animais.

O momento em que Kainoa conheceu o Tornado ficou registado em fotografia e a mãe, Shanna Niehaus, não resistiu a partilharas imagens na internet através da página da 4 Paws for Ability.

Shanna Niehaus testemunhou um dos momentos mais importantes na vida do filho. Esta criança autista que não tem amigos, não permite que estranhos se aproximem, nem mesmo que os pais tenham demonstração de afeto, encontrou conforto, cumplicidade e amizade no Tornado.

O recurso a animais para terapia em pessoas com deficiência é comum. Cães, gatos, cavalos e até mesmo golfinhos interagem com os humanos de forma natural e espontânea, conseguindo muitas vezes criar estímulos de resposta e interação nunca antes experienciada por estas pessoas.

“Este momento vale cada luta por serviços para o meu filho, cada diagnóstico, cada dólar gasto, cada papel preenchido, todas as reuniões da escola, cada lágrima, cada passo em frente, cada passo atrás e cada suspiro por um futuro desconhecido. Por causa do Tornado, eu sei que tudo vai ficar bem”, disse Shanna Niehaus.

Fonte: TVI24, com vídeos, por indicação de Livresco

Nunca vi os meus filhos


Sempre que pode, Sara enfia a filha no canguru e dá um pequeno passeio nas imediações da sua casa, na Azambuja

Ter pais que não veem é estranho para quem não passa por isso. De início, as perguntas não se fazem esperar, acabando todas por ir parar à mesma dúvida: "Como é que os vossos pais fazem as coisas?" A resposta não podia ser mais simples "fazem como faríamos de olhos fechados." Mas claro que tem mais que se lhe diga

A jardineira está quase pronta e a mesa para o jantar posta quando Marta e Márcia começam a contar o que ouviram ao chegarem à nova escola. Nos primeiros dias, os colegas disparavam perguntas: Quem é que cozinha lá em casa? A mãe consegue comer sozinha, pentear-se, escolher a roupa? E o pai trabalha em quê? "De início, estranham muito", conta Marta, a mais espevitada das gémeas, de 12 anos. "É sempre: 'Como é que os vossos pais fazem as coisas?' Numa das vezes, respondi: 'Experimenta passar o dia todo de olhos fechados e já sabes'." Na cozinha do apartamento na Pontinha, nos arredores de Lisboa, para onde Helena Cristina e José Manuel foram ao casar, em 1999, sente-se um cheiro delicioso agora que a carne de vaca ficou tenra depois de a panela de pressão se engasgar. Os silvos tinham acompanhado os últimos minutos dos trabalhos de casa, feitos na sala, sem nunca se sobreporem à voz pausada de José Manuel. Marta treinava a pronúncia em Francês e Márcia despachava exercícios de Matemática com a ajuda do pai. "Dois vezes três ao quadrado é doze, filha? Pensa melhor..." Márcia, de grinalda na cabeça assumidamente para a fotografia, poderia seguir uma carreira na moda mas já se decidiu pela Medicina.

Embora vá fazendo figuração em telenovelas tal como a irmã, que sonha ser atriz, agarra-se aos estudos para gozo de José Manuel, que venceu umas Olimpíadas de Matemática no 12.º ano e hoje dá formação na área, na Acapo (Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal).

VER A TELENOVELA A QUATRO

Os estudos são uma prioridade nesta casa, conclui-se ao ouvir Helena e o marido contarem à vez que terminaram cursos superiores com grande sacrifício, ela de Gestão de Recursos Humanos e Organização Estratégica, ele de Psicologia. Das filhas não esperam menos do que licenciaturas porque sabem que não lhes falta cabeça e eles cá estão para lhes criar as oportunidades. "Mesmo para seres atriz, Marta", lembra Helena, quando se sentam os quatro a ver Amor Maior, a novela da SIC em que as miúdas hão de aparecer, "vais estudar muito." [Helena e José Manuel gostam de televisão. Distinguem as vozes, imaginam as cenas, e só pedem ajuda às filhas quando há um momento mais silencioso.] Helena sempre acreditou que é importante ter um diploma. Ao fim de vários anos a tentar engravidar, pensou na adoção mas, antes de avançar, quis ir para a universidade.

"Achava que dificilmente me deixariam adotar e que seria menos problemático se fosse licenciada." Nascera com apenas 10% de visão, por causa de uma retinose pigmentar (degeneração progressiva da retina) e agora já só vê contrastes e vultos. Conhecendo a sociedade portuguesa, haveria poucas hipóteses de a considerarem elegível. E não ajudava o facto de o marido ser também ele cego.

Quando decidiram ser pais, os dois fizeram testes genéticos que não foram conclusivos. Mas, mesmo que a criança nascesse sem problemas de visão, o facto de ambos não verem quase nada era suficiente para ouvirem repetidamente a frase "É melhor não terem filhos." Só quando Helena ficou grávida de gémeas, no final do 1.º ano do curso, tudo mudou. "Face ao facto consumado, as pessoas apoiaram a nossa decisão; se não desisti da faculdade foi porque os meus colegas me incentivaram." Doze anos depois, Marta e Márcia provam que os medos eram injustificados. As duas pré-adolescentes oferecem-se para ajudar nas tarefas domésticas e não deixam nada desarrumado para que os pais não tropecem em alguma coi- sa, mas, de resto, são iguais a tantas outras, com as vaidades, inseguranças e manhas típicas da idade.

"Por enquanto, ainda têm muito que aprender para me enganarem", ri-se Helena, depois de contar que sabe logo o que andam a fazer as filhas quando ficam caladas. "Estão no telemóvel ou a ver televisão sem som, há sempre algo que as denuncia." Não servirá este artigo para se concluir que tanto faz os pais verem ou não, mas a maioria das vezes conseguir levar a bom termo a dupla tarefa de criar e educar é sobretudo uma questão de adaptação. Nunca o dito popular "A necessidade faz o engenho" se aplicou tão bem, pensámos quando Helena, José Manuel, Sara, Lurdes, Isabel e Paulo partilharam alguns dos truques a que recorrem no dia a dia.

Pedir para alguém fazer marcas com cortes nas seringas para evitar enganos nas dosagens dos medicamentos foi um dos que surgiu logo no início das entrevistas. Pelo caminho aprendemos também que existem balanças de cozinha falantes ou aparelhos que identificam as cores. E que a memória ainda é a grande aliada de quem não vê uns laços nas mangas de uma camisa e, bingo!, na loja alguém disse que esta é branca.

VENHAM DAÍ OS CARROS DA GOOGLE

Sempre que tem dúvidas, Sara Tadeu usa o seu Colorino para confirmar a cor da roupa que vai vestir a Luana, 1 ano acabado de fazer.

"Gosto que ela ande sempre arranjadinha", diz. O aparelho, que parece um pequeno comando de televisão e diz em voz alta as cores, também é útil quando hesita na cor de uma sombra de olhos. Nasceu com a visão muito limitada porque a mãe contraiu rubéola durante a gravidez, mas ainda viu cores e sombras até aos 23 anos e hoje continua a adorar maquilhar-se.

Antes de enfiar a filha num canguru para ir com ela até um jardim perto de casa, na Azambuja, Sara demora-se ao espelho a aplicar contorno do rosto e iluminador. Escolheu uma saia e uma blusa bege, "discretas, para a fotografia", e há de sair de bengala branca aberta e saltos altos. Faz tudo como sempre fez quando via alguma coisa; só precisa de ajuda para ir e vir do trabalho (dá apoio psicológico aos trabalhadores da Jerónimo Martins), por falta de transportes.

Quando pensou que estava na hora de ela e o marido, Hadiley, que é amblíope, serem pais, sabia ser um ato de coragem. Não se lembrou de que moravam num 2.º andar e que iriam ter de manter as janelas apenas entreabertas e tapar as tomadas do apartamento, mas assustou-a a falta de autonomia porque não têm familiares na vizinhança e nenhum pode conduzir.

Hadiley trabalha longe, na CUF Descobertas, e é federado do Sporting (pratica goalball, uma modalidade criada para cegos). Entre o trabalho e o desporto passa muitas horas fora de casa. Sempre que está sozinha com a filha, Sara não se aventura mais longe do que a loja de congelados da esquina; para ganhar alguma independência, já decidiu que, mal Luana comece a andar, vai comprar "uma daquelas trelas que os estrangeiros usam". A locomoção é uma dor de cabeça para a maioria destes pais. Helena e José Manuel, outra vez eles, compraram um carro em segunda mão e pediram a uma vizinha para levar e trazer as gémeas da escola.

Mas todos os outros entrevistados viram-se obrigados a adaptar as rotinas depois de terem filhos, quase sempre incluindo mais horas de transportes públicos.

Lurdes Dias, Lu, chegou ao cúmulo de escolher o colégio da filha pela proximidade ao seu local de trabalho. O substantivo é nosso porque, para esta telefonista quase licenciada em Ciências da Comunicação, nada mais natural do que a prioridade ser a localização, à boca de uma estação de metro. "Defendo a escola pública, mas tive de optar pelo privado por causa da minha dificuldade de locomoção", há de confessar, de olhos azuis muito abertos, numa esplanada de um café no centro de Lisboa.

Aos 13 anos, Alexandra já seria capaz de ir sozinha para casa, mas Lu gosta de lhe fazer companhia e aproveitar a viagem para conversar com a filha. Apanham o metro até ao interface do Campo Grande e, daí, uma camioneta que as leva até à zona de Camarate e isto todos os dias da semana, a não ser que Manuel, que não tem qualquer deficiência visual, lhes possa dar boleia.

OS OUTROS E O MEDO DE FALHAR

Lurdes e Manuel conheceram-se quando eram adolescentes, numa colónia de férias. Aos 18, começaram a namorar e, entre o início do namoro e o casamento, ela começou a perceber que ia ficar cega.

Manuel sabia ao que ia. Sabia que Lu nascera com glaucoma congénito e só fizera uma vida escolar normal até ao 9.º ano. Daí para a frente, tudo se complicou, mas ainda conseguiu entrar na universidade. Só que há vinte e tal anos a tecnologia estava muito atrasada ainda não se encontravam disseminados programas de computador de voz, por exemplo.

Manuel também sabia que a futura mulher não tinha vontade de ser mãe pelo medo de pôr no mundo uma criança que pudesse vir a sofrer o que ela sofrera. "Não queria que um filho meu travasse as lutas que eu travei e travo", justifica Lurdes. Mas ele queria tanto ser pai que avançaram depois de os testes genéticos concluírem que tinham as mesmas hipóteses de um casal sem qualquer deficiência.

Lu nunca chegou a ver a cara de Alexandra porque estava completamente cega ("já nem via luz") quando ela nasceu. Aceitou isso bem, mas sentiu "a insegurança habitual de uma mãe de primeira viagem" aumentada pelos comentários de quem a rodeava. "As pessoas perguntavam-me muito como é que eu ia ser capaz, e só por causa dessa pergunta fiquei com medo de falhar", recorda.

Se de início ganhou fobia às fraldas com cocó porque receava não limpar bem a filha, a primeira vez que lhe deu papa foi épica. "Com uma mão tentava ver onde estava a boca e com a outra fazia pontaria com a colher. O processo está fotografado: vê-se papa por todo o lado menos na boca dela", ri-se, hoje. E quando Alexandra começou a andar, arranjou um truque para perceber rapidamente onde estava: "Prendia um pequeno guizo à fralda, como os gatinhos!", goza. "Agora, parece ridículo, mas na altura deu-me muito jeito." Entretanto, foi treinando o ouvido e ficando mais atenta às traquinices da filha, a quem lembrava constantemente que não via. Comer bolachas às escondidas era mato Lurdes já disfarçava a vontade de rir mas a miúda quase morreu de espanto um dia em que estavam a acampar, entrou calçada na tenda e a mãe ralhou porque sentira areia no chão. "Mas tu não és cega?!" Sim, Lurdes é cega e faz questão de andar sempre de bengala aberta e de ser ela a conduzir a filha, embora nos últimos anos já lhe peça informações. "Ensinei-lhe a solidariedade e o espírito de entreajuda porque, tal como eu, há muitas outras pessoas condicionadas." Uns dias antes, ao vermos Rui chegar ao campo de futebol relvado do Grupo Sportivo de Loures, onde treina três vezes por semana, tínhamos fixado a maneira segura com que encaminhara os pais para a bancada, um de cada lado. "Comecei cedo a tentar fazer o melhor para que não batessem em coisas e para os ajudar", conta.

AJUDAR O PAI A ESTUDAR

Rui era muito pequeno quando teve a noção de que Isabel e Paulo eram cegos. Com um ano e pouco, já apanhava a chupeta do chão se os via à procura, e pegava-lhes na mão para mostrar alguma coisa que queria.

Agora, aos 12 anos, sabe todos os caminhos e habituou-se a descrever aos pais o que acontece à sua volta.

Como passam a melhor parte do dia longe os pais trabalham em Lisboa, ela na Fundação Portugal Telecom, na área da responsabilidade social, e ele nas Finanças, como inspetor tributário, valoriza os tempos a três. Gosta que assistam aos treinos e ao jogo de futebol semanal, e, em casa, oferece-se para dividir tarefas. Nos últimos tempos, dá-lhe gozo recortar e colar notícias da época em que o pai era atleta paralímpico (correu os mil e os 5 mil metros pela última vez em Atenas, em 2004). Quando Paulo leva trabalho para casa, ajuda a conferir a papelada, e, se o pai tem de estudar, pergunta-lhe a matéria. Ter filhos fazia parte do projeto de vida de casados de Isabel e Paulo. Como ela tem retinose pigmentar e ele glaucoma, duas doenças hereditárias, fizeram testes genéticos. O resultado 50/50 levou-os a avançar. "Se nos dissessem que era muito provável um filho nosso vir a sofrer de alguma das nossas doenças, se calhar não arriscávamos", admite Isabel. "Mas felizmente tivemos sorte, o Rui saiu bem." Quando entrou na escola, os professores estranharam de início mas foi só porque já sabia ler quase corretamente. Tinha-se posto a copiar para o computador os nomes dos jogadores dos cromos de futebol e o software de voz fez o resto. Ser filho de cegos não é obrigatoriamente uma desvantagem.

Fonte: Artigo publicado na VISÃO 1232, de 13 de outubro

Afonso, Alexandre e João são “meninos especiais” com histórias em papel

Cada livro da coleção “Meninos Especiais” conta a história de uma criança com necessidades especiais. O Afonso tem um atraso global de desenvolvimento. O Alexandre tem síndrome de X frágil. O João ainda não tem diagnóstico. Escritores e ilustradores foram desafiados a conhecer estes meninos e a entrar nos seus mundos reais

Afonso tinha um ano quando foi vítima de uma meningite. Durante três meses lutou contra a morte numa cama de hospital e finalmente voltou para casa. Livrou-se da meningite, mas esta doença levou consigo muitas competências — sentar-se, andar, falar ou agarrar um objeto já não estava ao seu alcance. O Afonso tem um atraso global de desenvolvimento. O que pouca gente sabe é que este menino tem uma espada mágica e adora pintar. Todos os dias trazem novas aprendizagens. E são estes momentos que Isabel Stilwell conta no livro “Afonso e a Espada Mágica”.

Madalena Braga aceitou sem hesitar o desafio de ilustrar uma realidade que não conhecia. No entanto, foi fácil inspirar-se e trazer para o papel uma dimensão especial do dia-a-dia do Afonso. O baloiço onde se sente seguro, as mãos todas as sujas de bolo de chocolate e Filipe (pai adotivo) montado num cavalo, um animal que Afonso adora, são alguns dos momentos que a ilustradora polvilhou no livro. “O que mais me cativou a representar o Afonso foi a expressão daquele olhar, bastante intenso e feliz, e um sorriso que acompanhou o encontro que tivemos quando o fomos visitar a casa”, diz a ilustradora.

Este encontro resultou numa “relação mágica com o Afonso através da ilustração”. “Quando conheci o Afonso lembro-me que a imagem que melhor registei na minha cabeça foi quando ele veio ter comigo com um brilho nos olhos e um sorriso enorme. Essa foi a maior fonte de inspiração para poder ilustrar a vida do Afonso e tentar exaltá-lo como se fosse o herói da história”, explica (...).

Contar as histórias de três meninos reais foi o desafio lançado por Luísa Beltrão, presidente da associação Pais em Rede, a seis escritores e ilustradores. “Como escritora comecei a pensar que seria excelente fazer pequenos livros com bons escritores da nossa praça que pudessem ir conhecer crianças com determinado problema, conhecer cada uma na sua casa e criar uma história que pudesse fazer outras crianças entrar no mundo desse colega diferente”.

Ana Zanatti teve oportunidade de conhecer Alexandre, um menino simpático e irrequieto que adora comer gelados na praia e tocar bateria enquanto a mãe toca piano. O Alexandre tem síndrome de X frágil, uma doença genética causada pela mutação de um único gene. Apesar de demorar um pouco mais a aprender do que os colegas da escola, Madalena Bastos, ilustradora, conseguiu captar o Alexandre e alguns momentos de descoberta e de alegria junto dos familiares e amigos.

Já a vida do João é uma caça ao tesouro e, todos os dias, em casa deste menino descobre-se a música antes de encontrar os peluches cheios de dentadas. O livro de Afonso Reis Cabral é “um testemunho” da realidade em que vive o João, uma criança que tem grandes impedimentos em qualquer aprendizagem. Um almoço e uma tarde juntos foram o suficiente para o romancista descrever o mundo do João e “transmitir esse ambiente aos leitores”. O João não fala, quase não anda, não come sozinho, mas não é isso que se vê nos desenhos de Carla Isidro. A ilustradora mostra o quarto onde o João guarda tudo o que gosta, o jardim com o baloiço e a relva onde passeia e a sala onde encontra a irmã pequena antes de lhe dar um abraço.

Estes meninos são agora protagonistas de livros que têm como objectivo a inclusão social de crianças e jovens com deficiência. Luísa Beltrão é também mãe de uma mulher com deficiência e acredita que “esta coleção dos Meninos Especiais é, de certa maneira, o melhor expoente do que é o espírito dos Pais em Rede”, uma associação que nasceu em 2008 pela mão de um grupo de pais preocupados com o futuro dos filhos.

Mas os principais destinatários destes livros não são as crianças com necessidades especiais. As histórias podem ser lidas pelos pais e familiares de crianças com as mesmas patologias, pelos pais de crianças que não tiveram qualquer contacto com estes problemas, pelos professores e educadores nas escolas e até pelos próprios alunos. “Estes livros são dirigidos a todas as crianças e a todos os adultos”, salienta Edite Vasconcelos, coordenadora do projecto “Meninos Especiais”.

Histórias que são difíceis de compreender

O projeto já vai no quarto ano e, doze livros depois, o objetivo mantém-se. Em 2012, a primeira coleção mostrava síndromes mais conhecidas como autismo e trissomia 21. Depois, foram dando a conhecer outras histórias que ainda hoje são difíceis de compreender como é o caso do João. “Há muitas crianças que não têm diagnóstico, têm uma série de deficiências mas estas não se enquadram em nenhuma patologia descoberta. Fizemos este livro porque representa uma fatia grande das crianças e jovens com deficiência deste país e de todo o mundo”, explica Edite Vasconcelos.

Os livros da coleção “Meninos Especiais” não estão à venda nas livrarias, apenas podem ser adquiridos por encomenda através de correio eletrónico. Além destas edições, há ainda livros inclusivos com textos a negro e em braille para garantir que o objetivo da inclusão seja cumprido. Depois de terem sido vendidos mais de 18 mil exemplares em quatro anos, Luísa Beltrão não deixa de sublinhar o “sucesso retumbante” destes livros infantis trabalhados gratuitamente por escritores, ilustradores, paginadores e editores, contando ainda com o apoio de várias instituições. Cada livro custa cinco euros e a receita reverte na totalidade para os projectos da associação.

A quarta coleção é apresentada a 24 de outubro, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Mas Luísa Beltrão garante que estas histórias não terminam aqui: “Para ano há outra colecção e já há vários escritores que estão interessados em escrever mais livros”.

Livros que trouxeram um novo olhar sobre as deficiências, modificaram a experiência dos escritores, ajudaram os pais destas crianças a “desdramatizar” os problemas dos filhos e todas as crianças a compreender as suas necessidades e os comportamentos dos outros. Estes livros, refere Luísa Beltrão, “são fruto de uma rede de boa vontade” e uma forma de permitir que estas crianças sejam incluídas na sociedade onde vivem.

Fonte: Público

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

"Um caso severo de autismo nunca é só isso"

O pedopsiquiatra Christopher Gillberg, pioneiro na investigação sobre esta condição esteve em Lisboa para participar no congresso internacional do CADin. Ao (...) falou do seu trabalho e do que pode ser feito para melhorar a vida destas pessoas

O diagnóstico de autismo ainda não é exatamente fácil. Porquê?
Porque pode apresentar-se de muitas formas diferentes desde o primeiro momento. Pode afetar as capacidades motoras precoces ou causar atrasos na linguagem ou generalizados, ou apresentar-se através de reações exacerbadas a estímulos sonoros, por exemplo e portanto, torna-se difícil no início dizer, isto é autismo. É sobretudo importante olhar para o desenvolvimento da criança como um todo. Para um pai, algo de preocupante no desenvolvimento da sua criança que se prolongue no tempo, por exemplo, durante mais de seis meses, deve levá-lo a procurar um especialista que observe a situação.

Foi um dos pioneiros na investigação nesta área. O que o interessou no autismo?
Comecei por fazer investigação em défice de atenção e hiperatividade, mas ainda os anos de 1970, comecei a verificar que algumas destas crianças tinham problemas desse tipo. Nessa altura, o autismo era coisa muito misteriosa, que as pessoas acreditavam em geral que era causado por uma mãe que rejeitava o filho. Eu tinha a meu cargo essa área também e conheci todos aqueles pais que não encaixavam nesse padrão e fiquei interessado em perceber o que estava realmente a passar-se. Naquela época quase ninguém fazia investigação em autismo. Tive sorte de conseguir financiamento para trabalhar na área e tornou-se logo claro desde os primeiros trabalhos que que há uma série de problemas nesta condição que não podem ter a ver com o facto de a mãe ser distante ou algo desse género.

Quatro décadas depois dessas investigações, o autismo ainda está envolto em mistério?
Sim, mas já não é tão misterioso como as pessoas ainda pensam que é. O autismo não é uma doença, embora algumas doenças possam causar autismo. Mas isso também é verdade para o défice de atenção, que não é uma doença, ou um problema cognitivo, que também não é doença. O autismo é uma condição. Muitas pessoas, talvez sete a 10% da população em geral, são do tipo autístico: são menos interessadas em interações sociais, preferem estar sozinhas a conviver e poderão falar dos seus próprios interesses mas, em geral, não querem dos seus interesses das outras pessoas. Eventualmente, uma cada dez pessoas é assim. Dentro desse grupo, os seus filhos, se algo mais acontecer, como uma infeção grave durante a gravidez, ou uma insuficiência de vitamina D, por exemplo, ou a toma de alguma medicação, terão mais probabilidade de ter autismo acompanhado de problemas ou distúrbios, se outra doença acontecer. Será então autismo, porque há essas características, mas são os outros problemas que lhe estão associados que são mais importantes, como os que afectam a linguagem, por exemplo. Isso é mais importante do que ser um pouco estranho do ponto de vista social, mas as pessoas concentraram-se tanto na questão da sociabilidade, que isso acabou por ficar um pouco de lado.

O que está na origem de uma personalidade autista? Podemos dizer que isso radica no cérebro?
Sim, tudo está representado no cérebro, em termos de comportamento e de cognição. As pessoas nascem um pouco, muito, ou nada dentro do espectro do autismo. Mas há este equívoco de que o autismo explica os problemas de linguagem, o atraso motor, o baixo QI, ou a epilepsia, mas não é assim. Esses problemas surgem para lá do autismo. O problema não é o autismo, mas cada um dos problemas por si.

Muitas crianças são hoje diagnosticadas com défice de atenção. De repente parece uma epidemia. Como é que isso se explica?
Antes não dispúnhamos desse diagnóstico, não se sabia o que era mas certamente haveria tantos casos como hoje. Hoje quando uma criança é diagnosticada com autismo, por exemplo, o autismo em si é leve, e são os outros problemas associados que são o verdadeiro problema. Mas o diagnóstico de autismo é importante porque isso garante que os pais e a família têm acesso a apoio. Mas, feito um diagnóstico de autismo, é importante pensar nos outros problemas que podem estar associados e para os quais muita coisa pode ser feita em termos de intervenção e que produz melhoras. Por exemplo, há uma variedade de terapias excelentes para tratar sintomas de défice de atenção, desde o treino de memória nas crianças mais pequenas a intervenções na área do desporto, como as artes marciais.

E se a criança em causa não falar sequer? Há casos severos de autismo em que isso acontece.
Se o problema for o autismo, não há um problema de linguagem real, a menos que haja um problema severo de linguagem, para além do autismo. O autismo em si não tem a ver com a linguagem. Não conseguir falar, não é causado pelo autismo. Portanto, aí é necessário intervir especificamente no problema da linguagem. Mas também é preciso dizer que haverá sempre crianças que não chegarão a falar porque têm disfasia, são raros, mas existem e faça-se o que fizer, nunca chegarão a falar. Mas alguns deles poderão aprender a comunicar através de algum dispositivo.

As sociedades modernas estão hoje mais preparadas para lidar com este tipo de problemas?
Estão. Hoje, desde logo, sabe-se mais sobre o assunto, as pessoas ouviram falar, conhecem e aceitam que esses problemas existem.

O que é preciso ainda estudar para compreender melhor este tipo de condição e os seus problemas associados?
Há um subgrupo de pessoas no espectro do autismo, por exemplo, que têm um problema específico: não conseguem reconhecer a expressão facial das emoções e, portanto, não conseguem decifrar as emoções no rosto das outras pessoas. Essa capacidade é representado numa área particular do cérebro, que no caso dessas pessoas não está a funcionar bem. É a área fusiforme do cérebro, que é altamente especializada nessa função. Se ela tiver uma malformação ou estiver destruída por um tumor, ou tiver sido danificada por causa de uma infeção - sabe-se que o herpes pode afetar especificamente esta área - não é possível aprender a fazer esse reconhecimento, ou deixa de se conseguir fazê-lo. Este é um problema comum em pessoas com autismo e não acontece noutras situações. Este grupo precisa de uma abordagem específica, para treinar esta capacidade, porque talvez a pouca função que tenham possa ser treinada se a intervenção for suficientemente precoce. Sabemos de outras condições que, se as intervenções forem suficientemente precoces e focalizadas, é possível obter grandes melhoras.

Quando fala de intervenção precoce refere-se a que idades?
A minha esperança é que nos próximos anos estes problemas possam ser reconhecidos em idades tão precoces como o ano meio. Por exemplo, para os dois anos temos uma nova aplicação com rostos esmiles em as crianças têm de aprender a identificar as emoções. E conseguimos demonstrar que o que acontece na aplicação refete-se nesta área do cérebro. Se pudermos fazer estes treinos com este tipo de dispositivos, aquela área do cérebro pode melhorar o seu desempenho. O autismo nunca pode ser totalmente curado, mas pode sempre haver uma intervenção positiva, mesmo que o diagnóstico seja tardio.

Mas nos casos mais severos, em que não há comunicação sequer com as crianças, o que é possível fazer?
Sim, há situações em que não se pode fazer muito. Mas se o caso é tão severo, então não é só autismo e é necessária nova avaliação para identificar exatamente que outros problemas haverá. Pode haver epilepsia não diagnosticada, por exemplo. Um certo número desses casos severos têm epilepsia não diagnosticada. Tenho visto inúmeros casos em que uma vez diagnosticada e medicada a epilepsia, a situação melhora muito. Nos casos mais severos, é necessário fazer mais avaliações. Não se sabia nada disto há 20 anos.

No futuro, como vai desenvolver-se a investigação nesta área do autismo?
Uma das áreas que vai desenvolver-se será, sem dúvida, a que diz respeito a novas formas de treino para as pessoas que não diferenciam emoções faciais, por exemplo. Teremos de identificar biomarcadores para diferentes subgrupos de pessoas com problemas específicos, como este. É preciso encontrar formas de ajudar estas pessoas a treinar as capacidades em falta, ou até encontrar novas medicações.

Da sua experiência em todos estes anos, qual foi o maior avanço conseguido em relação ao autismo?
Foi, sem dúvida, o facto de termos saído de uma situação de total obscuridade para a que temos hoje, em que é absolutamente normal falar disso.

Fonte: DN

"A maior barreira é a aceitação de que os filhos têm um problema"

Camila, Guilherme, Miguel: crianças diagnosticadas com dislexia, ansiedade, défice de atenção e autismo, cuja evolução foi um sucesso. À custa de trabalho e esperança.

"Mãe, aquele menino na escola é igual a mim?" A pergunta é de Camila, agora com sete anos, quando começou a perceber que era diferente. "Ela achava que era deficiente e os meninos que ela referia eram autistas ou com trissomia", conta Maria da Conceição Ventura, 37 anos, professora, mãe de Camila. "Agora ela lida com isto perfeitamente. Sabe que tem um problema e está a aprender a percebê-lo."

Camila tem dislexia. O diagnóstico ainda não está confirmado oficialmente, mas os pais já aceitaram a ideia, mesmo se Conceição confessa que quando lhe perguntaram se podia dar uma entrevista por causa da afeção da filha sentiu "um balde de água fria": "Ainda tinha esperança de que a avaliação fosse negativa." Suspira. "A maior barreira nisto é a aceitação por parte dos pais de que os filhos têm um problema. Passei por isso com o meu marido, foi uma grande luta conseguir que ele admitisse que a Camila tinha qualquer coisa e que tínhamos de pedir ajuda. Ele disse-me que lhe custou muito a aceitar porque era a menina dele. E aquilo com que, como professora, me deparo nas escolas é os pais terem diagnósticos e comprovativos de dislexia e outras afeções e dizerem que não querem o filho no ensino especial. Não querem o estigma e acreditam que os filhos são os melhores do mundo. Nós também passámos por isso: como professores - o meu marido também leciona - vimos tudo, como pais estamos cegos."

Aliás, há algo que esta professora de Borba quer dizer aos pais com filhos que apresentam dificuldades a falar, a ler, a aprender: "Não fiquem sentados à espera de que os filhos deem o salto - quanto mais cedo for feito o diagnóstico melhor." E a mãe de Camila bem gostaria de ter tido essa possibilidade mais cedo. "Fui professora dela no jardim de infância e percebi desde o início, a partir dos três anos, que tinha dificuldade em memorizar rimas, lengalengas, canções, e em expressar-se oralmente." Pediu o apoio da equipa de intervenção precoce, uma equipa técnica do ministério da Educação, mas disseram-lhe que a filha estava dentro dos parâmetros normais. No ano passado, quando entrou para o primeiro ano, as coisas pareciam estar a correr bem, mas "ao introduzirem as consoantes começou a descambar: havia dias em que lia e escrevia normalmente como uma aluna do primeiro ano, e noutros não conseguia. Tinha pavor de fazer ditados, chorava, chorava."

Aflita, Conceição foi ao médico. "Fui ao Doutor Lobo Antunes, que lhe diagnosticou perturbação de ansiedade e défice de atenção, mas disse que a dislexia só pode ser diagnosticada a partir do meio do segundo ano de escolaridade." Inconformados, os pais procuraram a psicóloga Paula Teles, ela própria disléxica, e que considera o diagnóstico e trabalho precoces fundamentais. Uma opção dispendiosa - cada sessão custa 60 euros - e que implica que os pais trabalhem diariamente com os filhos, mas que Conceição considera um sucesso: "Quando chega a casa da escola (pública) fazemos os trabalhos de dislexia, depois o trabalho de casa e depois preparamos o dia seguinte. E os resultados são excelentes. Vejo-a a superar as dificuldades, está mais autónoma. Não conseguia dizer os dias da semana e meses do ano, nem quando fazia anos, e a lateralidade, saber qual era a direita e esquerda, era para esquecer. Isso mudou." Com um sorriso na voz, conta que Camila lhe perguntou: "Mas isto é um segredo, mãe? E quem sabe?" Não é segredo, respondeu Conceição, mas não é preciso dizer a toda a gente. "Aí ela perguntou se podia dizer à melhor amiga - e disse. É muito bem aceite pelas outras crianças."

Maria João Silva, 48 anos, também ela professora, habitante de Oeiras, não tem dúvidas de que "a primeira pessoa a saber que é diferente é a criança." O filho, Miguel, agora com 10 anos, foi diagnosticado com autismo aos três. "Tudo o que implicasse socialização ele punha-se à parte. Isto com os pares, porque com adultos dá-se melhor." No outro dia, conta, estava na fila do supermercado para comprar fiambre e ele fugiu da confusão para o pé dos livros, "que é onde se sente bem. Tem de perceber que as coisas não são uma ameaça. O que se passa é que é hipersensível: ao som, ao toque, às texturas. Tivemos de o ensinar a lidar com a espuma do sabão, por exemplo. Temos de ser o mais assertivos possível no diálogo com ele." Como foi aprender a lidar com isso? Faz uma pausa, a pausa de alguém que se habituou a segurar a emoção. "Filho é filho - ninguém nasce ensinado para ser pai de seja qual criança for. Nesta situação, os pais têm de fazer o luto. E nunca desistir, nunca. Das crianças nunca se desiste, nem de nós próprios. Tudo o que lhe pudermos proporcionar, de acordo com a gestão económica possível, proporcionamos. A pediatra disse que se ele vivesse no campo seria criança reservada - a sociedade hoje é exigente a nível social - o social é muito ruído." Assim, prossegue, "pode ter um desenvolvimento de acordo com o que ele é. E neste momento é uma criança feliz, na escola dizem que é um amor, tem um grupo de amigos na sala. Está no 5º ano, dizem que canta bem, das disciplinas académicas de que gosta ainda estamos tentar perceber. Mas come, dorme, toma banho e veste-se sozinho. E quando não percebe alguma coisa diz "com licença" ou "não percebo". Acho isso muito bom."

Para chegar aqui, Miguel tem três a quatro sessões de terapia por semana, "divididas entre terapeuta de educação social, terapeuta da fala e psicóloga", para além de tudo o resto: "Escola, surf, badmington, equitação, natação." É um menino ocupado, conclui a mãe. "O meu filho é um caso de sucesso total em todos os aspetos. Nada garante, claro, que de hoje para amanhã não haja um isolamento. Mas agora é uma criança feliz e a família é moderadamente feliz."

É até possível um aluno diagnosticado com "dislexia grave e défice de atenção" ser do quadro de honra. Como José Guilherme, 13 anos, filho de Suzete Vaz, 42 anos, enfermeira de Vila Real. Diagnosticado aos seis/sete anos e seguido pela psicóloga Paula Teles desde os sete, começou por ter sessões de terapia em Lisboa de 15 em 15 dias. "Era muito caro, cheguei a pensar mudar de cidade por causa disso. Depois passou para de mês a mês e de três meses em três meses. E até há um ano ainda fazia terapia da fala. No primeiro ano fazia cinco horas por semana." O diagnóstico formal de dislexia não só permite um acompanhamento especial - na escola pública, porém; na escola onde José Guilherme andava, privada, esse acompanhamento não existia - como confere mais tempo para fazer os testes. "É ele mesmo que avisa o professor de que tem mais meia hora. Diz sempre que tem dislexia e sabe explicar, para os outros miúdos não se sentirem discriminados, por verem que ele tem regalias que eles não têm." As notas são tão boas, comenta a mãe, que no colégio ficam admirados. "Pensar que ele no início não queria ir à escola porque não conseguia acompanhar."

"Levava todos os dias reguadas por ser distraída"

Missão Paula Teles, psicóloga, 72 anos, descobriu já adulta que as dificuldades que sentira toda a vida, e que lhe valeram muita reguada na escola por a professora a achar "distraída", se deviam a uma dislexia nunca diagnosticada. Apesar de dar erros a escrever, conseguiu tirar o curso de professora do Magistério Primário, e sempre se interessou por trabalhar com crianças como ela fora, com dificuldades de aprendizagem: "Não sabia o que era aquilo, mas queria saber como acontecia". Fez por esse motivo um curso de educação pela arte, findo o qual decidiu estudar psicologia educacional. Foi nessa altura que descobriu a dislexia e começou a trabalhar em terapias adequadas. "Criei uma cantilena para cada letra do abecedário e comecei a fazer materiais - livros com letras em relevo para passar o dedo por cima, para aprender a desenhá-las." Outro método são as leituras repetidas, "quer de sílabas, quer de palavras, quer de textos." Fundou uma Clínica com o seu nome e publica sobre o seu trabalho. "Dá-me muita satisfação chegar a esta idade a fazer isto, e acho muito importante que se perceba que quanto mais cedo for feito o diagnóstico melhor. O sucesso depende da severidade da afeção, mas tem de haver muito trabalho."

Fonte: DN

Autismo: o João é escritor, mas deseja ser médico

O João é autista. Nunca falou, em 19 anos de vida, mas escreve. E bem, segundo a Porto Editora, que editou o seu livro “O Menino de Deus”, que valeu um prefácio de Valter Hugo Mãe. "O João não fala. O João não anda na escola. O João não lê. O João não vê televisão e nunca usou um computador, tablet ou telefone. Mas desde pequeno que começou a escrever em português e noutras línguas. Escreve sobre tudo o que acontece na atualidade, fazendo dissertações sobre o futuro da humanidade, educação, política, relações afetivas e espiritualidade. Ele escreve como se tivesse acesso à informação de uma forma que desconhecemos." É assim que a autora do projeto "Dá-me a Minha Voz", Sara Correia, descreve o João, cujo autismo foi diagnosticado quando tinha apenas dois anos.
Atualmente, o sonho de João é libertar-se das suas limitações físicas e tornar-se médico holístico. O autismo é um distúrbio neurológico que afeta um número crescente de pessoas em todo o mundo. "Compreender o autismo é um desafio que nos obriga a evoluir como seres humanos. Acredito que estas crianças têm dentro delas uma inteligência universal, demasiado grande para caber neste mundo, mas que se impõe para que se renove a esperança num futuro melhor. É preciso entender que a transformação que os autistas estão a provocar nos outros leva a uma evolução que precisa de acontecer nas pessoas, no mundo. O João e todos os outros autistas com quem tenho tido o privilégio de me cruzar, ensinaram-me isto." 
A exposição do projeto de Sara Correia inaugurou a 19 de outubro, no Maus Hábitos - Espaço de Intervenção Cultural, no Porto.

Fonte: Público

domingo, 23 de outubro de 2016

Mitos sobre a perturbação de hiperactividade e défice de atenção

A perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA) é uma perturbação neurocomportamental, ou seja, tem uma base neurológica e manifesta-se em termos comportamentais, atingindo cerca de 5% da população em idade escolar. Caracteriza-se por uma dificuldade acentuada na manutenção da atenção, do autocontrolo ou impulsividade, na gestão da frustração e na capacidade de gestão das funções cerebrais que nos permitem atingir diferentes objetivos, sejam eles a regulação da atenção, capacidade de planeamento, memória de trabalho, organização e/ou gestão de tempo.

A PHDA surge tanto em rapazes como em raparigas, estando a diferença na manifestação dos sintomas. Normalmente, os rapazes são mais agitados do que as raparigas e, como tal, os sintomas de agitação motora, aquando de uma PHDA, são mais marcados e evidentes. Por seu turno, as raparigas apresentam sobretudo sinais de desatenção, sintomas que passam mais facilmente despercebidos, porque não perturbam o outro.

Ao contrário do que pensamos, a hiperatividade não é a característica mais marcante ou que causa maior desajustamento, mas sim a desatenção, que, ao manifestar-se nos diferentes contextos de vida das crianças e jovens, tem um impacto significativo na qualidade de vida dos mesmos. A agitação motora em si não é obrigatoriamente problemática: basta pensarmos que para explorar o mundo todas as crianças têm de se mexer.

Quando as funções mencionadas estão comprometidas, o impacto surge a vários níveis. Em contexto escolar, surgem as dificuldades na aprendizagem, na gestão do trabalho e na regulação do comportamento, quer com os adultos quer com os pares. Os professores veem estes alunos como desafiadores, preguiçosos e mal-educados e os colegas como intrusivos, autoritários e “aqueles que chateiam”. Mais uma vez, o foco está nos comportamentos visíveis e mais desestabilizadores para quem convive com estes indivíduos. Quando, de facto, é a desatenção que compromete a aprendizagem em si, a compreensão dos outros e das pistas sociais, bem como a capacidade de resolução de problemas. São alunos que têm muita dificuldade em envolver-se em tarefas que exijam esforço mental prolongado e por isso são frequentemente apelidados de “preguiçosos”. A verdade é que muitas vezes se esforçam mais do que os outros, pois esta não é uma perturbação de “não saber” mas sim de “não fazer aquilo que se sabe” (Barkley, 1998).

Em contexto familiar, é frequente encontrarmos nos indivíduos com PHDA um ambiente marcado por conflitos na relação com os pais e irmãos. São crianças ou adolescentes que necessitam de supervisão constante, têm dificuldade em seguir instruções ou pedidos e parece que não ouvem o que lhes é dito, não porque os pais não imponham regras e limites, mas porque uma criança ou jovem com PHDA não consegue antecipar as consequências das suas ações. O problema advém de dificuldades na autorregulação do comportamento e não da falta de disciplina em casa. Nos adultos com PHDA, estas características vão influenciar a gestão das tarefas domésticas e a relação com os outros.

No âmbito profissional, os adultos com PHDA são pouco organizados, têm dificuldade em seguir planos, em cumprir prazos e em gerir o seu próprio tempo. Por estas razões, o seu trabalho é inconstante e pode levar a mudanças repetidas de local de trabalho.

Esta perturbação também tem impacto a nível pessoal e social. Para além do estigma de que as crianças (e adultos) com PHDA são alvo — fruto das dificuldades comportamentais que apresentam —, também a compreensão das situações e regras sociais exigem capacidades de atenção que nem sempre estão presentes. Uma pessoa com PHDA pode não atender e “passar ao lado” de pequenas pistas sociais ou sinais discretos do outro (muitas vezes não verbais), não se apercebendo quando está a ser incorreto. Importa assinalar que tudo isto acontece não porque quis, mas sim porque não conseguiu.

A PHDA é uma perturbação crónica que evolui ao longo da vida. Em cerca de 30% a 50% dos casos permanece até à idade adulta e, quando não diagnosticado atempadamente, pode evoluir para outro tipo de dificuldades. Há uma tendência para os sintomas de agitação motora diminuírem mas, em contraponto, as dificuldades de auto-regulação, controlo da atenção e impulsividade tendem a persistir ou a intensificar-se.

Por Carolina Viana, Joana Horta e Ricardo Lopes

Fonte: Público

Governo vai mudar regras da educação especial

O Ministério da Educação vai criar novas regras para (...) [a educação] especial que passam, por exemplo, por criar planos específicos para estes alunos quando as abordagens tradicionais falham ou obrigar as escolas a incluí-los mais tempo nas salas de aula com os restantes colegas. A chamada "escola inclusiva 2.0" é uma reforma ao decreto-lei 3/2008, que regula a educação especial desde há quase uma década, e tem como objetivo garantir uma "escola em que as crianças não estão apenas integradas, mas incluídas em sala de aula, em ambiente de aprendizagem com os colegas, sem desinvestimentos nos apoios necessários", adiantou (...) o secretário de Estado da Educação, João Costa.

Na prática, explica Luísa Ucha, coordenadora do grupo de trabalho que deverá em novembro fazer chegar ao governo as propostas de alteração legislativa, o objetivo é criar abordagens "que permitam a cada aluno atingir o seu potencial". Isso passa por "centrar na escola" e na sala de aula o trabalho com os alunos, num trabalho "multidisciplinar, envolvendo família, professores e técnicos", que permita, por exemplo, "caso as abordagens convencionais não resultem, elaborar planos específicos para cada aluno". Passa também pela redução do tempo passado por alunos com necessidades educativas especiais nas chamadas "unidades especializadas", que foram criadas para facilitar a integração destes estudantes no ensino regular. Novidades que surgem numa semana em que o Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil - CADin debateu problemas de desenvolvimento como o espetro do autismo e a hiperatividade e défice de atenção, numa conferência que termina hoje em Lisboa, no ISCTE.

Numa altura em que cerca de 70 mil alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) estão integrados nas escolas regulares, sendo já residual o número de estudantes em escolas especiais, o peso dado por muitas escolas a estas unidades tem sido motivo de críticas. Por exemplo, num relatório sobre Portugal divulgado em abril, o Comité da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência contestou o tempo excessivo que muitos estudantes passam nestes espaços, separados dos colegas.

O governo já deu um sinal a este respeito, exigindo que os alunos com NEE passem pelo menos 60% do seu tempo letivo integrados na sala de aula para que as escolas possam beneficiar da redução do número de alunos por turma. E preveem-se mais novidades para estes serviços especializados nas diferentes deficiências. "Estas unidades foram muito importantes na altura em que trouxemos os alunos todos para as escolas, porque a escola precisa de recursos", diz Luísa Ucha, ressalvando não "estar em causa" a continuidade destas estruturas. "Mas agora há uma evolução, que resulta do conhecimento do tipo de trabalho, da análise crítica que as pessoas fazem do que a criança aprende dentro e fora da unidade", explica. Não quer dizer que dentro da escola não se possam dar apoios e respostas mais individualizados", ressalva. "Agora, passar o dia dentro da unidade não é boa resposta".

(...) o Ministério da Educação garante também que "nunca" esteve em cima da mesa a extinção destes serviços. Mas admite que está em discussão "a necessidade de existirem respostas mais flexíveis do que a simples colocação de alunos nas unidades de apoio especializadas, melhorando o leque de respostas inclusivas. Estas unidades devem ser consideradas como centros de recursos para promover competências e aprendizagens numa perspetiva de inclusão e não uma alternativa a essa inclusão". David Rodrigues, presidente da pró-inclusão - Associação de Professores de Educação Especial, concorda que este tem sido um obstáculo à real inclusão dos alunos: "Há unidades que realmente funcionam como sendo unidades de inclusão, no sentido de que proporcionam aos alunos oportunidades de inclusão e outras que não funcionam. Tornam-se um pouco guetos dentro das escolas", diz.

As alterações ao decreto 3/2008 não se esgotam nestes temas. Luísa Ucha explica que as propostas ainda não estão fechadas, mas já estão definidas "à partida" algumas prioridades, integradas no objetivo de procurar respostas "individualizadas" eficientes para todos os alunos: "Não queremos dar muito enfoque à deficiência ou à Necessidade Educativa Especial mas a outra coisa: às medidas de apoio à aprendizagem que permitam que determinado estudante aprenda. O objetivo da escola é ensinar". Medidas comuns a todos os alunos, como a anunciada flexibilização dos currículos, também são encaradas como essenciais.

Fonte: DN por indicação de Livresco

sábado, 22 de outubro de 2016

Escola sem lugar para criança com epilepsia

Filipa tem três anos e desde os seis meses de vida que sofre de um tipo de epilepsia que lhe provoca convulsões. A menina começou este ano a frequentar o ensino pré-escolar na aldeia de Enxames, no Fundão, mas por ainda não ter sido atribuída ao estabelecimento uma assistente operacional especializada, o agrupamento de Escolas João Franco informou os pais, na quinta-feira, que a criança não podia continuar a ir às aulas. 
"Disseram-nos que a Filipa não podia continuar a ir à escola até o ministério enviar alguém qualificado para cuidar dela de forma adequada. Fiquei revoltada porque ao longo deste mês fui eu que lhe dei apoio na escola e estava disposta a continuar até chegar uma técnica", afirma Lauriana Pombo, mãe da menina. 
A encarregada de educação assegura que Filipa, que nos últimos três anos apenas teve contacto com a família e com médicos, "apresentou bastantes melhorias de desenvolvimento ao longo do último mês por ter convivido com outras crianças", e teme que o afastamento da escola e dos amigos a faça regredir. 
Armando Anacleto, diretor do agrupamento, disse (...) que a funcionária foi pedida à tutela há cerca de um mês e acredita que na próxima semana haverá resposta.


Fonte: CM por indicação de Livresco

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Educação: instabilidade e facilitismo

As pessoas que se dedicam profissionalmente à Educação queixam-se que os seus compatriotas falam de Educação com uma autoridade doutoral. Dizem estes profissionais, que ninguém se atreveria a fazer o mesmo noutra área de conhecimento. Por exemplo, quando se trata de Saúde as conversas começam invariavelmente com: “Eu não sou médico, mas…” e só depois é que vem a opinião já mais atenuada e branda pela confissão inicial de ignorância relativa de quem a emite. Na Educação não é assim: toda a gente sabe dar conselhos ao ministro, aos secretários de Estado, às direções das escolas, aos professores, aos alunos, aos assistentes operacionais, enfim, toda a gente se sente mandatada e capacitada para se pronunciar sobre assuntos de Educação.

Por muito abrasivas que estas opiniões sejam elas merecem alguma atenção e compreensão por parte dos educadores. Por um lado, porque o processo de ensino e aprendizagem é universal. Todos nós já estivemos na posição – formal ou informal – de aprender e de ensinar. É lógico que quem já passou por estas vivências ache que o seu conhecimento ficou aumentado e mesmo suficiente para dialogar “de igual para igual” com as pessoas que fazem da Educação a sua profissão e formação. Por outro lado, a Educação está profundamente imbrincada na vida. A sua vizinhança e proximidade levam a que o que se faz, o que se diz, o se aprende e ensina na escola faça parte inevitavelmente do quotidiano dos valores e práticas das famílias. Compete às pessoas que são profissionais e conhecedoras do sistema educativo entender estas contribuições de “fora” e não se esquecerem que estas posições, por vezes bem conservadoras e tradicionais, não são senão o ponto de partida para encontrarmos em conjunto as melhores soluções.

Vem esta introdução a propósito de críticas que têm sido feitas e esgrimidas sobre as mudanças que se fazem – e recentemente se fizeram – em Educação.

A primeira crítica foi a da instabilidade. Quando foram descontinuados os exames no 6.º ano de escolaridade, não faltaram brados sobre a necessidade de estabilidade no sistema educativo. Parece uma brincadeira, não é? Sempre nos queixamos que a escola está desatualizada face aos progressos que se verificam noutras áreas sociais e, quando algo se muda, fala-se que é preciso estabilidade (isto é que o sistema permaneça imóvel à espera da maré). Mais precisamente, diz-se que a instabilidade foi criada ao alterar a realização de exames no decorrer do ano letivo. Vejamos: todos concordamos que é má pedagogia focar os nossos esforços de ensino nos exames. Sempre dissemos que o que importa é a aprendizagem e não os exames. Se assim for, a falta dos exames não traz nenhuma mudança negativa. Conheço até o caso de uma escola que no 5.º ano e nos dois primeiros períodos do 6.º ano nunca tinha realizado uma visita de estudo; quando o exame do 6.º ano foi abolido, realizaram-se quatro visitas de estudo no terceiro período letivo. Não restam dúvidas sobre a imprescindibilidade de processos avaliativos – incluindo os externos – para a melhoria do sistema educativo; mas a ausência de exames – com o seu cortejo de inconvenientes – só pode ser encarada como positiva e um encorajamento a fazer melhor trabalho pedagógico e a recentrar os objetivos do ensino.

A segunda crítica foi há pouco produzia à intenção do Governo aligeirar os currículos. Obviamente temos ainda que entender melhor o que isso quer dizer e como se irá materializar. Mas, logo à partida, temos de concordar que a corrida à desfilada que os currículos escolares estavam a fazer rumo à complexidade, à linguagem sofisticada, à quantidade de matéria a “aprender”, era um caminho insano. Criou-se e alimentou-se a ideia que era preciso saber cada vez mais, matérias cada vez mais complexas. Todos ficamos abúlicos e emudecidos perante este cavalgar: os professores queixam-se – entre eles – que não é possível dar toda a matéria do programa e, se fosse possível, seria à custa de deixar muitos alunos “para trás” e não poder fazer nada mais que não fosse transmitir e exercitar incessantemente. Também ficaram perplexas as famílias ao confrontarem-se com a linguagem e a complexidade dos programas: pessoas mesmo com cursos universitários revelam-se incapazes de interpretar textos que são dados aos seus filhos com 11 ou 12 anos. Este disparo do currículo é intrinsecamente pouco culto. Confunde a qualidade com a quantidade: lembra-nos as pessoas que enfeitam a casa com metros de prateleiras de livros inúteis. Com currículos desta extensão e complexidade não é possível fazer nada mais do que aulas transmissivas, de treino e de exercício. Isto sim é facilitismo: hipertrofiar um aspeto da educação em prejuízo de todos os outros aspetos. Quem acredita que os nossos filhos devem estar numa escola a tempo inteiro onde só façam exercícios e treinem conhecimentos que temos as maiores dúvidas que lhes possam efetivamente ser úteis a eles, cidadãos que já nasceram no século XXI?

Não é por causa desta “instabilidade” e da simplificação dos currículos que a nossa Educação vai piorar. Pelo contrário: estas mudanças são uma oportunidade para pensar diferente uma área que tem de ser pensada diferente. Quando as pessoas “de fora” da Educação” evocam o “seu tempo” é preciso explicar-lhes que a Escola, como tudo o resto tem que continuar a mudar e muito. Hoje temos que ensinar TODOS os alunos, temos que os ensinar outras coisas e de formas diferentes. Felizmente nenhuma solução que foi encontrada no passado é suficientemente boa para resolver os problemas que a escola enfrenta no presente. Por isso precisamos que a escola se mova pelas reformas e a mudança é a forma de ser da Educação.

David Rodrigues

Presidente da Pró – Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial. Conselheiro Nacional de Educação.

Fonte: Público

O envelhecimento docente

Na sequência de alguns relatórios e/ou estudos recentes sobre a situação profissional dos docentes portugueses ganhou alguma dimensão pública a evidência de que o corpo docente das nossas escolas públicas está razoavelmente envelhecido. Algo que quem anda pelas ditas escolas sabe bem, mas que parece ter surgido do nada para quem agora chegou ao tema como se novidade fosse.

Acerca deste fenómeno, que em alguns momentos é apresentado como se fosse da responsabilidade dos professores que insistem em ficar mais velhos, há que identificar e distinguir com clareza as políticas que conduziram a esta situação (e que não se podem resumir a culpabilizar a troika), as suas principais implicações e as medidas que podem ser tomadas para o contraria ou diminuir os seus efeitos mais nefastos.

Antes de mais, o envelhecimento dos docentes portugueses em exercício é uma consequência natural do esforço conjunto desenvolvido na última década por diferentes governos para diminuir o número de professores através do estrangulamento das entradas no quadro, da redução de professores contratados e de diversos estratagemas para diminuir a carga letiva curricular dos alunos em combinação com o aumento do horário de trabalho efetivo dos professores. O desfecho foi o envelhecimento de todos, desde os que permanecem nos quadros até aos contratados que chegam, cada vez mais precarizados, apesar de terem muito anos de ensino, passando pelos que foram vinculados de forma “extraordinária”, mas que entram para a carreira, mesmo com 20 anos de serviço ou mais, para o seu 1.º escalão de salário. É difícil não lembrar como foram vários os governantes, presentes ou passados, que apareceram a lembrar o seu papel na redução da “despesa”, através da redução do número de professores (muito acima da redução do número de alunos no sistema de ensino), bem como do congelamento da sua carreira e dos adicionais cortes salariais.

Em termos práticos, isto significa que a maior parte dos professores está a dar aulas há 25 anos ou mais, tendo mais de 50 anos de idade, sendo praticamente inexistentes, mesmo entre os contratados, os que têm menos de 30. Se isto conduz a uma homogeneidade geracional e a alguma identidade profissional, não deixa de ser uma desvantagem que implique o quase desaparecimento da diversidade que caracterizava há 20 anos as salas de professores, com o confronto de diferentes perspetivas e metodologias de trabalho em sala de aula. Agora, quase todos partilhamos (sim, falo na primeira pessoa) um trajeto com mais pontos de contacto do que seria de desejar num modelo que se pretende dinâmico e em renovação permanente. E, não há que o ocultar, com o natural desgaste profissional associado a uma década de conflito aberto com a tutela sobre a gestão das escolas e da carreira docente, bem como de constantes inflexões na gestão de currículos e programas. A proletarização e precarização foram processos associados ao envelhecimento, eventualmente interessantes para os economistas da Educação mas que nada demonstra serem benéficos para o trabalho em sala de aula.

Como podemos sair desta situação? Desde logo, reorientando prioridades orçamentais, pois é dificilmente compreensível que os serviços públicos essenciais para a coesão social e nacional sejam sacrificados em prol da resolução de fracassos privados. Em seguida, promovendo políticas ativas de rejuvenescimento do corpo docente das escolas por duas vias complementares: criando condições dignas para que quem já tem 35 anos ou mais de serviço se possa aposentar sem sacrificar metade dos seus rendimentos e abrindo os quadros a novos professores, mesmo se isso nos tempos atuais significa a vinculação de pessoas que em tempos já estariam para lá de meio da carreira, atendendo aos anos de serviço que já prestaram. O investimento que estas medidas implicariam seria, no médio prazo, compensado pelos ganhos, pois aposentar-se-iam professores já com alguma merecida redução de horário, entrando outros com horários completos, podendo ter-se ganhos de 25% nesse aspeto (substituir um professor com 16 horas letivas por um com 22 até teria ganhos superiores). Para além de que mesmo em termos absolutos, a saída de 5000 ou 10.000 dos docentes mais velhos em condições materialmente dignas, dificilmente acarretaria um encargo superior a 1% do que o Estado tem gasto a salvar bancos da falência ou a simular que eles não estão falidos mais do que tecnicamente.

O mais importante é que, mesmo que eu aceite que os professores mais velhos têm maior experiência e saber acumulado, alguns dos maiores ganhos seriam ao nível do trabalho com os alunos, porque dificilmente um corpo profissional sucessivamente atacado pelo poder político, proletarizado na sua condição e desmotivado pelo desaparecimento de horizontes de progressão na carreira, poderá manter-se sem entrar em mais ou menos acelerada implosão perante aqueles que gostaria de servir nas melhores condições.

Paulo Guinote

Fonte: Público