quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Deficiência dissolvida nas águas do Azibo

Mal vislumbra uma nesga da albufeira da barragem do Azibo, Gonçalo fica elétrico. Tem 19 anos e uma incapacidade quase total. Mas não é fácil controlar o entusiasmo que lhe desperta um espelho de água como aquele, em tarde quente de agosto.

João, 16 anos, com 70% de incapacidade, tem uma reação semelhante. Curiosamente, colocado o primeiro numa boia e o segundo num caiaque, entram em relaxe total. Até chegam a adormecer.

Estes rapazes de Lisboa e de Vila Nova de Gaia, respetivamente, integram o grupo de 24 pessoas de vários pontos do país, com autismo, paralisia cerebral e incapacidade física, que durante 15 dias ficam ao cuidado da Leque, Associação de Pais e Amigos de Pessoas com Necessidades Especiais, numa colónia de férias inclusiva no Eco Parque do Azibo, em Macedo de Cavaleiros.

É um programa que também possibilita aos pais terem uns dias para descansar. É o caso dos da Liliana, emigrantes em França há muitos anos e que "já não vinham a Portugal passar férias devido à dificuldade em garantir cuidados constantes à filha durante esse período", explica Celmira Macedo, fundadora e presidente da Leque. Desde que tomaram conhecimento do centro de turismo rural e terapêutico, voltaram a poder vir visitar os familiares.

Enquanto fazem férias, os pais deixam aqueles 24 jovens em boas mãos e, ao mesmo tempo, a desfrutar de um espaço diferente do habitual. "A maior parte deles vem de centro urbanos, estão em instituições ou em casa todo o ano, e esta é a única altura que têm para usufruir deste tipo de ambiente", nota a responsável.

Odete, 35 anos, de Mogadouro, estás sempre a rir. Mas reclama quando vê o Gonçalo e o João entrar na água, enquanto ela fica à sombra de uma árvore. Não tardará a ir andar de barco, com o bónus de que vai entrar pela albufeira dentro, na companhia de Glória, 30 anos, que é de Alfândega da Fé. Esta, a mais autónoma de todos. O Hugo, do Porto, entrega-se às mãos de António, o mestre de Reiki que quase o faz adormecer em cima de uma prancha. Os elementos com maior dependência ficam a cargo de outros cuidadores no centro de acolhimento do Eco Parque.

As atividades na albufeira ocupam uma grande parte do tempo desta colónia de férias, pois é a preferida de todos. "Mostrar-lhes a água e não os levar lá é quase criminoso", considera Celmira, que sorri ao lembrar a parte mais difícil: "Ficam muito zangados quando os tiramos de lá!" É claro que no dia seguinte voltam, mas nem todos têm essa consciência.

Do programa fazem parte outras atividades, como a ida à praia fluvial, a estimulação sensorial, a terapia com patos e coelhos, o ioga, entre outras. Este ano não foram, mas até costumam ir a uma festa de aldeia. Não admira que cheguem ao fim do dia "completamente estourados".

Os frequentadores deste tipo de iniciativas são normalmente crianças e jovens, mas a Leque está aberta a todas as idades e a qualquer tipo de incapacidade. Celmira Macedo acentua que "existem milhares de cuidadores informais em todo o país à beira da exaustão, por não terem respostas para cuidar dos filhos enquanto tiram uns dias de férias descansadas".

É neste sentido que a Leque espera, em colaboração com o Eco Parque do Azibo, tornar esta resposta, que por enquanto ainda é sazonal, numa atividade que possa "acontecer várias vezes por ano", nomeadamente no Natal, Carnaval, Páscoa, verão, etc. Funcionar todo o ano "é o grande objetivo", mas esse pode demorar mais tempo a alcançar.

A colónia de férias deste ano findou no domingo. No final, houve lágrimas. Dos que ficaram e dos que foram embora. "A Odete não chora!", protestou, arrancando uma enorme gargalhada a Celmira. "Não só choram as meninas como também os rapazes de barba feita", brincou. Para o ano há mais.

Fonte: JN

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