terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Transição para a Vida Pós-Escolar: nas asas da Portaria n.º 201-C/2015

A Portaria n.º 201-C/2015 tem o dom de repartir os alunos com necessidades educativas especiais com a medida educativa de currículo específico individual em duas categorias: alunos com currículo específico individual com menos de 15 anos de idade; alunos com currículo específico individual com 15 ou mais anos de idade. Ao primeiro grupo aplica-se o enquadramento geral resultante do articulado do Decreto-Lei n.º 3/20018. O segundo grupo rege-se, sobretudo, pelo articulado da Portaria n.º 201-C/2015. 

Afinal, o que separa estes dois tipos de alunos com necessidades educativas especiais? Apenas a idade cronológica! Desta dialética poderá resultar um cenário aparentemente rocambolesco mas legalmente enquadrado. Numa turma do ensino básico, por exemplo do 8.º ou 9.º ano de escolaridade, poderemos ter em coabitação dois alunos com currículo específico individual organizado segundo diferentes estruturas, decorrente do facto de um ter menos de 15 anos e o outro possuir idade igual ou superior a 15 anos. Compreensível? Não nos parece! Mas é possível, uma vez que a referida portaria regula apenas o processo educativo de alunos com 15 ou mais anos de idade, com currículo específico individual, não se aplicando aos restantes alunos com a mesma medida educativa e idade inferior.

Antes de sobrevoarmos o conteúdo da Portaria n.º 201-C/2015, é oportuno e imprescindível salientar o facto de os alunos com currículo específico individual apresentarem perfis de funcionalidade completamente divergentes e singulares. Esta singularidade é determinante para a elaboração, a estruturação e a implementação do referido currículo específico individual, assim como para a alocação de recursos, quer materiais, quer humanos, e o estabelecimento de eventuais protocolos com entidades externas à escola. Assim, em qualquer processo, tem de estar sempre presente o princípio da individualidade e da especificidade de cada um, que requer respostas educativas definidas e adequadas ao seu perfil de funcionalidade. Não se trata de respostas padronizadas!

Feita esta salvaguarda, existem alguns aspetos que consideramos relevantes face ao contexto educativo originado pelo diploma precedente. Desde logo, o facto de se determinar que o aluno integra uma turma do ano de escolaridade que frequenta, podendo participar, sempre que possível, em disciplinas do currículo comum e nas diferentes atividades desenvolvidas pela escola para o conjunto dos seus alunos. Este aspeto vem reforçar, de algum modo, a participação do aluno e o eventual sentimento de pertença à turma e à escola, deixando de ser considerado um mero número administrativo. No entanto, na prática, este nível de participação na turma circunscreve-se frequentemente, e quase exclusivamente, à frequência da disciplina de educação física e ou de disciplinas de formação profissional, de cariz prático e funcional.

Por outro lado, determina e clarifica que estes alunos devem frequentar a turma que melhor se adequa às suas necessidades e capacidades, não podendo ser rejeitada a sua inscrição ou matrícula em função da natureza do percurso curricular ou formativo da turma. Ou seja, estes alunos podem integrar quaisquer turmas do ensino regular, de cursos profissionais, de cursos vocacionais ou de outras modalidades educativas, desde que estas sejam as mais adequadas ao seu perfil de funcionalidade. 

Para a elaboração do currículo específico individual, propõe-se uma matriz curricular composta por disciplinas de formação académica e atividades de promoção da capacitação, podendo ser introduzidas outras componentes e objetivos, devidamente fundamentados, de acordo com as necessidades específicas do aluno. Estamos, assim, perante uma matriz curricular que se configura como suficientemente flexível, permitindo a sua adaptação e a adequação ao perfil de funcionalidade de cada aluno, em concreto. 

Por outro lado, assegura que a carga horária não pode ser inferior à dos alunos da turma em que se encontra matriculado. Esta determinação poderá criar alguns constrangimentos por incompatibilidade com as determinações do programa educativo individual, na medida em que a mancha horária da turma, por exemplo, de cursos profissionais, é extensa. O seu cumprimento integral pode comprometer a frequência de alguns apoios especializados, designadamente de fisioterapia, terapia da fala, psicologia, sobretudo quando são prestados por técnicos dos Centros de Recursos para a Inclusão, que se deslocam às escolas num horário nem sempre compatível com o dos alunos. Uma forma de contornar e viabilizar esta situação poderá passar por inserir os apoios especializados na programação das atividades de promoção e capacitação.

O currículo específico individual é complementado por um plano individual de transição orientado pelos princípios da universalidade e da autodeterminação do direito à educação, da inclusão, da individualização, da funcionalidade, da transitoriedade e da flexibilidade. Assim, o plano individual de transição baseia-se em atividades delineadas para cada aluno, que promovam a transição da escola para a vida pós-escolar. Neste sentido, e em função do perfil de funcionalidade de cada aluno, as atividades podem incluir treino laboral em local de trabalho, esquemas de emprego apoiado, atividades de vida autónoma e de participação na comunidade, mas, também, o encaminhamento para instituições de solidariedade, em função dos interesses e das capacidades. Apesar desta aparente flexibilidade quanto à definição de tipos de encaminhamento diversificados, o articulado focaliza-se e sobrevaloriza essencialmente a vertente profissional, com a realização de experiências laborais, como se a maioria destes alunos apresentasse um perfil de funcionalidade adequado a esta resposta.

Quanto ao desenvolvimento das componentes do currículo, o diploma esclarece algumas situações. Desde logo, privilegia a distribuição das disciplinas da formação académica do currículo pelos docentes dos grupos de recrutamento respetivo, mas com perfil adequado ao trabalho a desenvolver com estes alunos. Esta especificação, que alguns docentes de educação especial consideram como interferência na sua área de ação e, consequentemente, como diminuição de horários neste grupo de recrutamento, tem o condão de, numa perspetiva inclusiva, envolver mais docentes de diferentes disciplinas no processo educativo destes alunos. Esta envolvência de diversos docentes e de diferentes disciplinas pode contribuir para esbater ou anular, de algum modo, o estigma da rotulagem dos “alunos da educação especial” ou dos “deficientes”, situação ainda presente em algumas escolas. Neste caso, deve atender-se sobretudo ao interesse educativo do aluno.

No final do percurso escolar, os alunos obtêm uma certificação que atesta os conhecimentos, as capacidades e as competências adquiridos, para efeitos de admissão no mercado de trabalho. No entanto, não se prevê a forma de expressão da avaliação destes alunos. Para aqueles que se encontram a frequentar o ensino básico, o ordenamento educacional determina especificamente que a avaliação às disciplinas e áreas disciplinares específicas se expressa numa menção qualitativa (Muito Bom, Bom, Suficiente e Insuficiente) acompanhada de uma apreciação descritiva sobre a sua evolução. No entanto, para os alunos que frequentam o ensino secundário, não existe qualquer determinação. Nestes casos, por analogia, leitura extensiva e coerência, consideramos que se deve adotar a mesma modalidade do ensino básico.

Na nossa perspetiva, o enquadramento resultante da Portaria n.º 201-C/2015 caracteriza-se, sobretudo, pela flexibilidade que permite definir percursos educativos ajustados ao perfil de funcionalidade de cada aluno. No entanto, poderia ir mais além, designadamente na determinação do número de alunos por turma que incluísse alunos com necessidades educativas especiais com a medida de currículo específico individual para que estes deixassem de ter uma frequência meramente administrativa.

Nota: Artigo de opinião publicado na revista educação Inclusiva, vol. 6, n.º 2, dezembro de 2015, pp. 19-20

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