sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

"Mesmo a família que maltrata o jovem é vista por ele como uma fonte de apoio"

Não foi fácil para a equipa da Unidade de Investigação em Justiça e Violência da Universidade do Minho chegar a jovens em processo de desistência de um percurso de delitos. Era difícil encontrá-los e mesmo entre os que eram localizados alguns não queriam falar. No final, 15 jovens aceitaram partilhar a sua história de vida para a investigação, realizada no âmbito do projeto Reincidências – Avaliação da Reincidência dos Jovens Ofensores e Prevenção da Delinquência, sobre os fatores que motivam os jovens a sair da delinquência.

As conclusões preliminares serão apresentadas esta sexta-feira no segundo e último dia do Seminário Internacional – Delinquência Juvenil: processos de desistência, identidade e laço social no ISCTE em Lisboa.

Os jovens são apresentados como desistentes. São todos da zona de Lisboa e todos cumpriram as medidas tutelares educativas mais gravosas em centros educativos, os estabelecimentos para jovens com menos de 16 anos que praticaram um ato que, acima dessa idade, seria crime. As medidas de internamento – em regime fechado, semiaberto ou aberto – podem durar entre seis meses e dois anos (ou três anos em casos muito graves).

“A desistência é um percurso gradual e que demora tempo. É normal numa fase inicial haver novas práticas [delituosas], embora menos frequentes e menos graves e que evoluem para um percurso de ausência de crimes”, diz a psicóloga doutorada da Universidade do Minho Filipa Teixeira.

As entrevistas realizaram-se entre um ano e 39 meses depois da saída do centro educativo. Durante esse tempo, podem ter cometido delitos. Mas, neste estudo, são "desistentes" uma vez que não existe registo oficial da sua prática.

A partir de que momento um delinquente passa a ser um desistente? E quanto tempo depois de apresentar a folha limpa de registos de delitos, já depois de estar em liberdade? Estas são perguntas de difícil resposta, admite Filipa Teixeira. Possível é tentar uma aproximação àquilo que contribui para um delinquente inverter a trajetória – e tornar-se, de facto, num desistente. O apoio familiar ou a sua perceção, mesmo em famílias muito problemáticas, é determinante para essa viragem.

Esse é um dos principais resultados do estudo e aquele que mais surpreende, diz a psicóloga que integra a equipa de investigadores. “Mesmo a família que maltrata o jovem é vista por ele como uma fonte de apoio. A família funciona como um gatilho para a mudança", acrescenta. E lembra: muitos destes jovens vêm de ambientes desestruturantes, em que há violência sobre eles, ou entre mãe e pai, ou em que há abandono parental. Na maioria dos casos, os pais abandonaram o lar ou trabalham longe; e as mães são maltratantes ou pouco disponíveis para cuidar dos filhos, porque trabalham muito para os sustentar, explica a investigadora.

Os resultados, como este que revela o contributo da família, mostram padrões comuns entre os 15 jovens. Entre eles, o choque e a perda que sentem na entrada no centro educativo, ou a importância para o seu processo de desistência de desenvolverem uma relação com uma figura de referência dentro do centro educativo; pessoas que levam os jovens a questionar a legitimidade dos comportamentos delituosos anteriores e a sentirem-se valorizados.

Na etapa seguinte, os jovens descobrem os benefícios que podem retirar de um comportamento adequado. E mais tarde, já em liberdade, percebem os custos de transgredir e de novo de passarem pelo choque da perda da liberdade. Tudo isso contribui para a desistência, mais facilmente se conseguirem combater o estigma e encontrar um emprego.

Há porém casos que apresentam particularidades que saem desse padrão, explica Filipa Teixeira, como por exemplo encontrar delinquentes de famílias onde “aparentemente tudo está bem”: ou seja, jovens com bom desempenho escolar, de famílias estruturadas e com rendimentos. São, por exemplo, condenados por tráfico de droga. “Aqui é preciso tentar perceber como jovens com passados tão diferentes se tornaram também delinquentes.”

Fonte: Público

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