sábado, 19 de setembro de 2015

Crato não volta a ser ministro

O início deste ano escolar foi, uma vez mais, caracterizado por um total desprezo pelos profissionais da educação, pelo seu investimento na formação, pela experiência acumulada ao longo de anos de contacto directo com os alunos, pais e comunidade escolar.

À porta da escola, mirando o futuro incerto, ficaram milhares de docentes. Outros tantos, após dezenas de anos de serviço, foram obrigados a uma mobilidade forçada, que os afasta das famílias e dos contextos sociais, emuladores da motivação profissional.

Em nome de quê? Do aumento da mediocridade do nosso sistema de ensino público, do desperdício da formação que o Estado prestou a esses educadores e em benefício de "feijões" para aumentar a hipócrita poupança orçamental e para impulsionar o ensino privado, de acordo com a perversa lógica neoliberal de que a ascensão social, proveniente da meritocracia da escola, não é para todos.

Crato, no seu pior. Crato, nunca mais será ministro. Nem da educação, nem do quer que seja. Mas ele, e Maria de Lurdes Rodrigues, deixaram, na escola e nos professores, um rasto virótico de corrosão endémica da profissionalidade dos docentes e do sentido da escola democrática e universal. Trata-se de um ciclo que urge inverter, para não nos transformarmos nos pacóvios educacionais da EU.

Por isso, hoje, os professores que resistem e recusam perder a sua profissionalidade, aqueles que estão presentes e aceitam os novos desafios, são muitas vezes olhados como heróis sociais pelo modo como enfrentam o embate das mudanças, das pressões e das críticas injustas.

Mas nem todos têm esse dom, esse golpe de asa, essa facilidade de ultrapassar os obstáculos, sobretudo quando submersos em contextos escolares claustrofóbicos.

A geografia de actuação dos docentes foi profundamente alterada nas últimas décadas, sem que isso tenha revertido numa significativa alteração dos processos de formação inicial e contínua dos professores. A quase totalidade dos docentes foram (e ainda continuam a ser) formados para agir, quase exclusivamente, dentro da sala de aula. As competências profissionais que lhes são exigidas estão confinadas a saberes e procedimentos que apenas fazem sentido em situação de classe. Os formadores de professores dedicam mais de noventa por cento das suas actividades de supervisão para recolher dados de avaliação através da observação de aulas. O (futuro) professor pode claudicar à porta da sala de aula. Será impensável que o faça dentro dela.

Esta história e estas memórias da formação fazem com que muitos dos professores portugueses prefiram o trabalho individual (isolado) à formação em parceria, porque lhes fizeram acreditar que a sua sala de aula é um local sagrado inexpugnável e que o seu trabalho profissional se esgota com o fechar da porta dessa sala. E esta fuga ao trabalho colaborativo dentro da escola pode atrasar imenso a inversão do ciclo de que há pouco falávamos….

Muitos de nós fomos e somos apenas preparados para agir em situação de classe, menos na escola, raramente na aldeia digital e na comunidade parental. Aí, começam as fobias, os preconceitos, as reservas e os desencantos. Aí, os discursos começam sempre a ser menos pedagógicos e mais defensivos de uma neutra profissionalidade que nem sempre sabemos definir ou que, por ausência de outro modelo, definimos com base na tradição e no pior do discurso oral. Sobretudo quando a tutela obriga, com tem vindo a obrigar, a que os professores se desmultipliquem em tarefas e todos os objectivos que as famílias e a sociedade não conseguem (ou não querem?) solucionar…

O alargamento das tarefas e funções dos docentes obrigam-no a intervir numa nova geografia pedagógica, pressionam-no a caminhar em terrenos e a traçar percursos em que ele nem sempre se sente profissionalmente confortável. Obriga-se a que o professor também seja tutor e educador, quando ele, de facto, foi, sobretudo, formado para instruir, em contacto directo com os seus alunos, sem intermediários, designadamente os intermediários das aprendizagens a distância.

Por tudo isso, temos que exigir um plano/projecto de formação permanente, o qual deveria envolver verbas e meios significativos, porque se trata do modo mais eficaz para combater o desencanto instalado e devolver a escola aos professores, que sabem, melhor que ninguém, transformar esse espaço em local de alegria do saber e de formação para o futuro.

João Ruivo

Fonte: Correio eletrónico

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