quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

In memoriam

Se a família terceiriza a educação dos seus filhos e a escola não ensina, uma sociedade doente considera normal que assim seja. Dizem que é o Freud que tudo explica, mas, desta feita, quem explica é o Schumpeter, quando nos diz que todo o hábito, uma vez adquirido, afunda no subconsciente, transmitido pela educação. Talvez por isso, a crença nas virtudes da velha escola mantenha os professores na ilusão de uma possível melhoria. Que estranha loucura se apossou dos nossos educadores, que creem ser possível ressuscitar um cadáver em decomposição?

O século XX conheceu múltiplas iniciativas de melhoria da velha escola, todas em vão. As mais recentes “reformas” saldaram-se por retrocessos. O tempo da velha escola acabou. Mas o ministro parece não perceber... A velha escola já nem conteúdos consegue transmitir – poder-se-á aceitar, por exemplo, a reprovação de alunos com 100% de assiduidade? Pedem-lhe que eduque para o consumo e a saúde, mas ela engendra inadimplentes e obesos. Pedem que faça educação sexual, e alunas são estupradas dentro de uma universidade. Pede-se que eduque para a autonomia, e os professores, cativos de uma platónica caverna, para onde uma “formação” deformadora os atirou, semeiam heteronomia. Compete-lhe “educar para a cidadania”, mas naturaliza a violência.

A velha escola tem contribuído para a manutenção de uma crise moral, cujos escândalos alimentam os noticiários. Por isso, o Cristóvão diz-nos ser necessário passar do discurso à indignação, num impulso de resgate ético e moral da sociedade. E que esse desiderato só é possível de alcançar através da educação. Não mais uma escola, que condena milhões ao analfabetismo linguístico e social, assente numa competitividade nefasta e num subtil darwinismo social, que adoece professores, produz corruptos e reproduz injustiça social. Nunca será de mais insistir na freiriana denúncia desse monstro, que um poder público irresponsável continua a alimentar.

A que se deve esta súbita fúria de velho professor? Porquê este chorrilho de metáforas? Porque, indiretamente, o cadáver adiado continua a fazer vítimas. Explico. Presume-se que a velha escola promova educação ambiental, mas a educação que ela promove destrói ecossistemas e ateia incêndios devoradores de florestas.

O meu amigo Zé Ronaldo sempre sonhou com uma nova escola nas terras de Minas Gerais. Freirianamente, acreditava que a escola pode mudar pessoas, que mudarão a sociedade. Acompanhei a sua labuta, com ele aprendi a amar o verde-esperança da serra que ele amava.

O Natal não tardaria a chegar, mas a floresta da Serra de Carrancas estava a arder há já dois dias e o meu amigo foi ajudar a combater o incêndio, que a ignorância, a incúria, ou mãos criminosas atearam. O seu corpo sofreu queimaduras graves. O meu amigo Zé Ronaldo morreu sem ver realizado o seu sonho de uma boa educação em Carrancas e no mundo. Que os seus companheiros saibam honrar a sua memória.
José Pacheco
Fonte: Educare

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