sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Considerações sobre a operacionalização da matrícula por disciplinas

A propósito de um pedido de esclarecimento sobre a aplicação da medida de adequações no processo de matrícula, na forma de matrícula por disciplinas, a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) emitiu uma informação, da qual destaco a parte seguinte.


Os alunos ao abrigo do Artigo 19º, do Decreto-Lei nº 3/2008, de 07.01, sem a aplicação de CEI, estão obrigados a efetuar a escolaridade com o currículo comum, ou seja, aplica-se a matriz curricular prevista no Decreto-Lei nº 139/2012, de 05.07. Quanto à avaliação, a mesma rege-se pelos normativos em vigor, nomeadamente o Despacho Normativo nº 13/2014, de 15/9. A estes alunos é permitido que, ao frequentarem um qualquer ano de escolaridade do 2º e 3º ciclos, apenas sejam avaliados nas disciplinas cujo PEI determina para esse ano e que apenas tenham frequência às restantes. Esta medida permite que os alunos não fiquem retidos por falta de avaliação a algumas disciplinas, o que aconteceria caso não estivessem abrangidos pelo normativo em apreço. Contudo, no ano letivo posterior, mesmo tendo sido classificados a algumas disciplinas não deverão ser dispensados da frequência das mesmas, mas apenas da sua avaliação, no pressuposto que será uma mais-valia a possibilidade de consolidação das aprendizagens já efetuadas.

No entanto, só poderão ter qualquer um dos anos de escolaridade concluído, após a efetiva avaliação correspondente ao currículo nacional previsto para cada um desses anos. Cada vez que uma disciplina é terminada tal surge na pauta da turma em que o aluno se encontra matriculado.

Mais se informa que no final do ano letivo, em que os alunos terminam a frequência das últimas disciplinas do ano de escolaridade em que se encontram matriculados, serão recuperadas as informações das disciplinas do/s ano/s anteriores. Na pauta final, deverão então constar todas as disciplinas e assinalada a transição/não transição ou aprovação/não aprovação.

Recorda-se ainda o seguinte: Se no primeiro grupo de disciplinas que o aluno frequenta, a avaliação da(s) mesma(s) for de nível inferior a 3 (três), poderá será conveniente que a(s) repita por forma a que, no final dos dois/três anos, não exista o risco de ter ultrapassado o número de disciplinas com nível inferior a 3 (três), conforme previsto nos normativos em vigor.


A posição da DGEstE sobre a possibilidade dos alunos com necessidades educativas especiais poderem matricular-se por disciplinas parece ir ao encontro do que, conceptualmente, se considera para esta medida. No entanto, se atendermos ao sublinhado do texto (“frequência às restantes”), esta interpretação parece extrapolar a conceção e a intenção da medida, impondo uma leitura abusiva, descontextualizada e, simultaneamente, perniciosa. Senão, vejamos.

O decreto-lei n.º 3/2008 refere que a matrícula por disciplinas pode efetuar-se nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e no ensino secundário, desde que assegurada a sequencialidade do regime educativo comum. Ao efetuar a matrícula por disciplinas pressupõe-se, naturalmente, que o aluno é obrigado a frequentar e a ser avaliado a essas mesmas disciplinas. O ordenamento jurídico não impõe a frequência das restantes disciplinas que compõem o currículo geral desse ano escolar! 

Esta situação é mais evidente no caso do ensino secundário, nível onde também se pode aplicar esta medida. Neste nível de ensino, os alunos matriculam-se por disciplinas e apenas frequentam essas mesmas disciplinas onde são avaliados. Poderão, eventualmente, assistir a outras disciplinas, às quais não se encontrem matriculados, se o diretor e/ou o docente da disciplina concordarem. 

Mas, independentemente da interpretação jurídica da questão, devemos atender sobretudo aos fundamentos da proposta de aplicação da medida de matrícula por disciplinas. Vejamos alguns potenciais exemplos: fruto de várias patologias, o aluno cansa-se facilmente, não consegue permanecer muito tempo concentrado, é muito lento na realização das tarefas e requer momentos prolongados de relaxamento; o aluno necessita de tratamentos numa instituição externa à escola, várias períodos por semana, prestados unicamente durante o tempo letivo; o aluno revela um défice cognitivo, um abaixamento global das funções nervosas complexas, comprometendo a assimilação e a acomodação das matérias curriculares, e défice de atenção e hiperatividade… Em todos estes casos, é impossível manter o aluno nas disciplinas às quais se encontra matriculado e de frequência obrigatória e, para além disso, assistir às restantes! Teremos, então, de atender ao superior interesse do aluno! 

Nestes casos meramente exemplificativos, talvez seja mais eficaz para o aluno frequentar as disciplinas a que se encontra matriculado e, no tempo restante, se for viável e possível de concretizar, beneficiar de apoios suplementares de introdução e/ou reforço dos conhecimentos e das capacidades, de terapias, de acompanhamento psicológico, de participação em clubes escolares, etc. Naturalmente, é de todo vantajoso que possa assistir a algumas disciplinas ditas nucleares, como são o português e a matemática, para que se evite um afastamento e uma quebra prolongada com essas matérias curriculares. Mas toda esta gestão do currículo, incluindo apoios e outras valências, deve ser da responsabilidade dos docentes, em articulação com o encarregado de educação, a partir das determinações inscritas no respetivo programa educativo individual (PEI). É à singularidade do aluno que a educação especial atende e responde.

1 comentário:

anabelacampus disse...

Concordo plenamente. Só assim fará sentido.