domingo, 16 de novembro de 2014

'Há escolas que fazem batota nas avaliações'

Entrevista com David Justino, Presidente do Conselho Nacional de Educação

Ficou conhecido, enquanto ministro da Educação, pela reintrodução dos exames do 9.º ano. Continua a defendê-los?
Sim, continuo.

A quantidade de exames que hoje existe no sistema de ensino português é a desejável?
Não tenho nada contra a existência de exames nos vários ciclos. O problema que se põe é que a função dos exames só tem sentido se a avaliação interna [realizada pelas escolas durante a frequência do aluno] for complementar dos exames. Mas isso não acontece os exames têm um efeito de indução sobre as avaliação internas, que quase se resumem a avaliações sumativas.

Então, os exames condicionam o modo como as aulas são dadas?
Não são as aulas mas o processo de avaliação. A questão é que as avaliações internas deviam ser indutoras de melhores aprendizagens, permitindo aos alunos estudar, investigar e verificar o seu conhecimento através de outros instrumentos que não sejam testes ou frequências. Muitas vezes recorre-se ao mais fácil, aos testes. Tem de haver outro tipo de instrumentos de avaliação complementares: um trabalho ou uma investigação que seja suscetível de avaliação. Por outro lado, se o primeiro ciclo tivesse seis anos em vez de quatro, dispensaria os exames do quarto ano.

E defende esse princípio?
Sim. A organização do ensino primário devia ser de seis anos, em fases de dois anos cada uma. Os processos de aprendizagem eram desenvolvidos na lógica de seis anos em vez de quatro. Neste caso, faria sentido os exames no 6.º ano, no 9.º ano e no 12.º ano.

A introdução dos exames condicionou o modo como o programa é dado? Hoje, ensinar uma disciplina é ensinar automatismos para resolver problemas?
A aquisição de conhecimentos e de competências faz-se através de automatismo, de treino. Os mecanismos de compreensão são indissociáveis dos processos, das técnicas, dos automatismos. Não podemos separar uma coisa da outra. Memorizar, ter rotinas, não é um problema.

Alguns professores e especialistas notam que a diferença entre as notas internas e as dos exames são muito grandes.
Há um conjunto de escolas, que, na minha opinião, de forma reiterada, dão uma classificação muito superior à que os alunos têm em exame. Estão a inflacionar a classificação. E isto tem uma consequência: como uma nota de exame só vale 30%, a inflação acaba por favorecer os alunos na nota de entrada do ensino superior. Há escolas que fazem batota nas avaliações.

Os exames aumentaram a retenção de alunos?
No longo prazo, não. Temos exames no final do secundário, há 20 anos, e, desde 2005, no 9.º ano. Ora, neste período, a taxa de retenção dos alunos [os chumbos] baixou.

Mas nos últimos três anos tem aumentado...
No Conselho Nacional de Educação verificámos que, em algumas escolas, aumentou muito a retenção. Porque, presumimos nós, a necessidade de garantir uma certa média para a escola, nos rankings, leva a colocar de fora os alunos mais fracos. Para não estragar a média da escola. Por isso, faço uma sugestão: que, em todas as disciplinas, todos os alunos possam ir a exame.

As avaliações internacionais do ensino português, como o PISA, mostram que houve melhoria dos resultados. Isso deve-se aos exames?
Deve-se, em primeiro lugar, ao facto de os atuais alunos terem pais mais escolarizados. Em segundo lugar, as escolas mudaram muito a sua cultura: há 15 anos, a questão dos resultados não era importante, o que interessava eram as boas intenções. Em terceiro lugar, acho que temos melhores professores. A melhoria dos resultados do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Alunos] espelha a combinação destes fatores.

Como avalia o trabalho do Instituto de Avaliação Educativa [IAVE]?
Tem havido alguma estabilidade em relação à elaboração dos exames. O trabalho é positivo. Mas sempre defendi que devia existir um banco de itens aferido.

Pode explicar melhor?
Uma prova tem de ter um certo número de questões de nível de dificuldade baixo, médio e elevado. Estas perguntas têm de ser testadas e aferidas, que é o que acontece, por exemplo, nos EUA. Depois, quando é necessário fazer um exame, vai-se a esse banco buscar as questões. Devíamos passar a fazer esse trabalho: dava mais segurança aos exames.

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