sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A autodeterminação das pessoas com deficiência será mesmo um “remar contra a maré”?

Por mais que se proclame em relação às pessoas com deficiência o seu direito a uma vida independente, tão inserida na comunidade e tão capaz de assumir decisões quanto possível, muitas das medidas que atualmente estão a ser propostas, entre nós, a nível oficial, nos setores da educação, do apoio social ou da inserção profissional têm sido caracterizadas por uma orientação totalmente oposta. A notícia que no dia 24 de setembro, foi publicada no jornal PÚBLICO sobre a criação de “assistentes pessoais para deficientes” é um exemplo claríssimo desta atitude que podemos considerar como limtadora da liberdade e dignidade desta população.

O movimento designado por autodeterminação (o self advocacy movimento iniciado nos anos 60 nos E.U. em estreita ligação com a luta pela defesa dos direitos humanos) é hoje uma orientação difundida na generalidade dos países em que se valoriza a inclusão das pessoas com deficiência. O seu principal objetivo consiste em promover medidas que permitam que estas pessoas tenham o poder de falar por si próprias, de tomar decisões sobre a sua vida e de solicitar os serviços de apoio que considerem necessários para poder funcionar da forma mais realizada possível no âmbito familiar, social, profissional e cultural.

Ao longo dos anos em que estive diretamente envolvida na educação especial, acompanhei o rápido progresso verificado em inúmeros países (e também entre nós) na aplicação desta perspetiva nos programas educativos e naqueles que visavam, de forma particular, a inserção dos jovens na vida ativa.

Ao discordar do projeto que agora foi apresentado e ao concordar com os argumentos que o contestam por parte do Movimento (d)Eficientes Indignados, não pretendo afirmar que as pessoas com limitações graves de diversas ordem não precisem, em diferentes situações, da intervenção de pessoas que os ajudem o que, muitas vezes, implicará a disponibilidade de meios financeiros para o conseguir. E, nesse caso, algumas dessas pessoas (certamentre não todas) poderão, eventualmente, precisar de alguma preparação para tal. Mas, para a garantir haverá certamente muitas outras soluções, diferentes da que foi proposta, mais simples de organizar e, sobretudo, tal como acontece com a generalidade das situações em que não existem condições de deficiência, definidas caso a caso, e com a direta participação por parte de quem requer essa ajuda ou de suas famílias.

Criar uma nova profissão, definir a respetiva formação, carreira, vencimento e forma de avaliação e, com tudo isto, evitar que seja a pessoa que precisa de ajuda a ter meios financeiros para contratar quem a possa ajudar, parece ser um caminho totalmente contrário daquele que visa a autonomia e a autodeterminação que são pressupostos fundamentais da valorização e dignificação das pessoas em causa.

Ana Maria Bénard da Costa

Professora aposentada, ligada à Rede Inclusão

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