terça-feira, 30 de agosto de 2011

Uma em cada quatro crianças tem problemas de visão

A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO) revelou esta terça-feira que uma em cada quatro crianças em idade escolar tem problemas de visão.



Nas contas da SPO, cerca de 20 por cento das crianças em idade escolar têm algum défice da função visual, pelo que defende a realização de rastreios a partir dos três ou quatro anos.
Augusto Magalhãe, oftalmologista pediátrico do Hospital de São João e membro da SPO diz que "as doenças dos olhos que mais afectam as crianças são os erros refractivos (miopia, hipermetropia e astigmatismo), a ambliopia e o estrabismo".
"Estima-se que cerca de 20 por cento das crianças em idade escolar tenham algum défice de função visual provocado por uma destas patologias ou outras menos frequentes, que acabam por interferir com o rendimento escolar", frisa.
Segundo o especialista, um dos sinais mais habituais de problemas na visão é "a dificuldade na leitura".
A lentidão ou rejeição das tarefas que exigem esforço visual, o fechar ou tapar um dos olhos e os erros a copiar do quadro são outros sinais de alerta. Dores de cabeça, náuseas, olhos vermelhos, inchados ou lacrimejantes, estrabismo e fotofobia (dificuldade em suportar a luz) "são sintomas que não podem ser ignorados e devem levar os pais a procurar um oftalmologista", defende.
Augusto Magalhães considera que é fundamental realizar um primeiro rastreio por volta dos três ou quatro anos, porque nesta idade a criança já colabora minimamente e o procedimento acaba por ter uma boa relação preço-eficácia. No entanto, sustenta, "do ponto de vista médico é preferível rastrear mais cedo".
A forma como a utilização de computadores e outros dispositivos electrónicos podem influenciar a visão é uma questão que preocupa muitos pais, mas Augusto Magalhães desmistifica a ideia e explica que "não existem estudos científicos que comprovem a ideia de que os computadores provocam e/ou aumentam a miopia".
"O único prejuízo - segundo o oftalmologista pediátrico - é o cansaço visual sentido após o uso prolongado e ininterrupto destes dispositivos electrónicos" pelo que recomenda que "a utilização seja alternada com períodos de descanso".

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Jogo de computador ajuda crianças autistas


Portugal: Jogo de computador ajuda crianças autistas


A Universidade do Porto está a desenvolver um jogo de computador, direcionado para autistas, que lhes permite aprender as emoções e expressões faciais. O projeto visa facilitar a relação destas crianças com quem as rodeia.

O autismo é uma disfunção que afeta a capacidade de relacionamento, deixando os doentes emocionalmente isolados das pessoas que os rodeiam.

Este jogo - desenvolvido pela Universidade do Porto em colaboração com a Universidade de Texas - permite às crianças autistas a familiarização com as expressões faciais, o reconhecimento da alegria e da tristeza. Desta forma a criança terá uma maior facilidade no seu relacionamento interpessoal.

Com o indicador encostado ao ecrã, a criança pode desenhar as expressões, levantar as sobrancelhas e os olhos e, ao mesmo tempo, ver a cara a reagir. As personagens à escolha são muitas e incluem humanos, bonecos e animais.

A base tecnológica deste projeto, que ainda se encontra numa fase inicial, já foi desenvolvida. Resta agora fazer os testes necessários: primeiro em crianças sem a disfunção e só depois em crianças autistas. Estima-se que o programa esteja concluído daqui a dois anos.

O jogo, "LIFEisGAME: Learning of Facial Emotions using Serious GAMEs”, conta com a colaboração especialistas da faculdade de Psicologia e terapeutas da Associação Criar e o Instituto Tecnológico e a Microsoft e é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Clique AQUI para aceder à página oficial.
In: Boas notícias

19 toneladas de tampinhas dão prótese a menino


19 toneladas de tampinhas dão prótese a menino
Um menino de dois anos, de Caminha, que nasceu sem a mão direita, vai hoje testar uma mão estética e dentro de um mês já deverá ter uma prótese mioeléctrica.
Segundo a mãe da criança, Elisabete Farinhoto, toda a operação, orçada em nove mil euros, será financiada por uma empresa da Póvoa de Varzim, em troca de 19 toneladas de tampinhas, recolhidas desde a Páscoa tanto em Portugal como na Galiza.
"Da Galiza, chegaram ontem [segunda-feira] duas toneladas de tampinhas e há mais duas para chegar. Foi uma adesão excepcional", referiu Elisabete Farinhoto.
Hoje, numa clínica de Matosinhos, o filho, Diogo, vai experimentar a mão estética e poderá mesmo regressar a casa com ela, "se não houver problemas".
Dentro de um mês, na mesma clínica, deverá instalar a prótese mioelétrica.
O filho, Diogo, nasceu a 20 de maio de 2009, sem a mão direita, alegadamente vítima de uma amputação dentro da barriga.
"As primeiras ecografias mostram que ele tinha as duas mãos", revela a mãe.
Esta primeira prótese terá a validade de dois anos e terá depois de ser substituída por uma outra, pelo que a campanha de recolha de tampinhas vai continuar.
"Para a outra prótese, serão necessárias mais de 30 toneladas", referiu.
Segundo explicou, vale todo o tipo de tampas de plástico, seja de garrafas de água, de óleo, de iogurtes líquidos, de garrafões, de detergentes ou de champô.
Valem também caixas de manteiga completas, bem como todas as embalagens que tenham o símbolo da reciclagem com os números 2, 4 ou 5 dentro do triângulo.
In: DN
Comentário:
Eis uma boa iniciativa!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Maior estudo de sempre descobre genes associados à esclerose múltipla

Um grupo de cientistas descobriu mais 29 variantes de genes que estão relacionados com a esclerose múltipla. A maioria dos genes está envolvida no funcionamento do sistema imunitário, explica o maior estudo de sempre sobre a base genética desta patologia, que acaba de ser publicado na Nature.


De acordo com os investigadores, a informação de que os genes estão relacionados com o sistema imunitário confirma as estratégias de investigação na área da terapêutica que estão a ser seguidas e aponta caminhos para novos tratamentos. Com esta descoberta, o grupo conseguiu praticamente duplicar o número de variações genéticas que se pensavam estar envolvidas na esclerose múltipla, adianta o diário britânico Guardian.

A esclerose múltipla é uma das doenças mais comuns do sistema nervoso, afectando mais de 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo. É uma doença inflamatória crónica, desmielinizante e degenerativa do sistema nervoso central, que interfere com a capacidade do mesmo em controlar funções como a visão, a locomoção, e o equilíbrio, entre outras.

Como resultado da doença forma-se um tecido parecido com uma cicatriz que endurece e forma uma placa em algumas áreas do cérebro e medula espinal. Há também uma lesão das bainhas de mielina que envolvem as fibras nervosas. Os sintomas podem ser leves ou severos, e aparecem e desaparecem, total ou parcialmente, de maneira imprevisível.

Este novo estudo, liderado por Alastair Compston da Universidade de Cambridge, observou 600 mil partes do ADN de 9772 pessoas com esclerose múltipla e comparou-as com as de 17.376 indivíduos saudáveis. Um trabalho que envolveu 250 investigadores e que acaba de ser publicado na Nature.

O primeiro gene a ser associado à esclerose múltipla foi o HLA e foi encontrado nos anos 1970. Desde então, muitos outros genes foram associados à doença. No actual estudo, os cientistas puderam confirmar que as 23 variantes genéticas até agora identificadas estão efectivamente relacionadas com a doença e conseguiram, ainda, encontrar mais 29 variantes. Ficaram ainda registadas cinco que precisam de confirmação em estudos futuros.

“Os genes implicados nestas 57 regiões contam uma história muito coerente”, explicou Compston, citado pelo Guardian. “Há uma narrativa que é extremamente informativa – a história é imunológica, com 80 por cento dos genes das regiões implicadas intimamente envolvidos no funcionamento da resposta imunitária. Isto coloca a imunologia na linha da frente da doença”, acrescentou.
Muitos dos genes identificados pela equipa liderada por Compston estão envolvidos na função das chamadas células T, que têm o importante papel no sistema imunitário de destruírem possíveis invasores. Um terço das novas variantes associadas à esclerose múltipla já tinham antes sido associadas em outros estudos a doenças auto-imunes, com as células T a “virarem-se” contra o próprio corpo, como é o caso da doença de Crohn ou da diabetes tipo 1. A investigação possibilitou, também, confirmar que quatro das variações genéticas da esclerose múltipla estão directamente associadas com fármacos que já estão no mercado ou que estão em fase de ensaios clínicos.

Mais de 4000 doentes em Portugal

Em Portugal, o primeiro estudo sobre esclerose múltipla, divulgado no início deste ano, revelou uma prevalência semelhante ao resto do mundo: 54 em cada cem mil portugueses sofrem da doença, num total de 4300 pessoas. A novidade foi detectar o profundo desconhecimento sobre a patologia, com 65 por cento dos inquiridos a não saberem o que é

A equipa do estudo “EMCoDe: Esclerose Múltipla - Conhecer e Desmistificar” inquiriu 20.057 indivíduos, uma amostra aleatória representativa da população portuguesa. E encontrou 22 doentes confirmados. Extrapoladas para a população nacional com mais de 18 anos, as contas apontam 4287 portugueses afectados com esta doença degenerativa. São, na maioria, mulheres: 3163 contra 1171 homens.

Hiperactividade e défice de atenção


Caminos 

A hiperactividade e défice de atenção é uma perturbação neurobiológica que se traduz por uma desatenção inapropriada para a idade. É hereditária e faz-se acompanhar por sinais de agitabilidade motora (hiperactividade). Os sintomas devem estar presentes nos vários contextos do quotidiano do indivíduo: FAMILIAR - MEIO PROFISSIONAL OU ESCOLAR - MEIO SOCIAL.

Esta perturbação apresenta 3 subtipos:

• PHDA do tipo DESATENTO - caracterizado por sinais comportamentais essencialmente relacionados com a desatenção e falta de concentração;
• PHDA do tipo HIPERACTIVO - caracterizado por sinais de agitação motora, dificuldades em cumprir regras e falta de auto-regulação comportamental em geral.
• PHDA do tipo Misto - Caracterizado por sinais de desatenção e de agitação motora.

As causas da PHDA que podem ser provocadas por:

• Alterações dos factores neuroquímicos e neuro-anatómicos no cérebro.
• Alterações dos  factores ambientais e relacionados com aspectos da vida uterina.
• Alteração de factores genéticos e moleculares. 

De acordo com a experiência da psicóloga e conferencista Maria João Ferro, o facto de em Portugal, na generalidade dos casos, se dar ênfase à tónica do subtipo hiperactivo, renegando para segundo plano a do défice de atenção, tem feito com que só as crianças hiperactivas tenham acesso às medidas que a lei portuguesa prevê para apoio no âmbito das Necessidade Educativas Especiais. "Apesar de não ser na maioria dos casos, mas a minha experiência (20 anos) mostra-me que ainda existe muita falta de informação, em especial naqueles que têm a responsabilidade de operacionalizar este apoio diferenciado nas escolas", acrescenta. É com pena que a psicóloga desabafa que, na prática, ainda hoje encontra meninos do subtipo desatento que não são abrangidos pela lei das necessidades educativas especiais por não se terem reunido as condições necessárias. Também, pelo que a psicóloga pode constatar, os rapazes são tendencialmente do tipo hiperactivo e as meninas tendencialmente do tipo desatento. Como tal, apesar de ambos apresentarem a mesma perturbação, as meninas podem estar a ser prejudicadas.

Os três subtipos desta perturbação podem acompanhar o individuo toda a sua vida, apesar de em Portugal ainda se acreditar que com a idade esta perturbação tende a desaparecer. Os estudos que nos chegaram nas últimas décadas mostraram-nos que existem diferenças significativas entre os cérebros de indivíduos com diagnóstico de PHDA (independentemente do subtipo) e aqueles supostamente "funcionais" nas questões da desatenção e da hiperactividade.

Estudos comprovados pela experiência de Zametkin e colaboradores (1990) demonstram que o metabolismo da glucose no cérebro das crianças e adultos com PHDA é inferior cerca de 8,1%. Isto implica uma diminuição da circulação sanguínea e correspondente menor activação das células. Como a glucose é o combustível do cérebro, todo o processamento de informação torna-se mais lenta no Cortex Frontal – zona responsável por vários processos implicados na aprendizagem. "Como a atenção depende de alguma forma do funcionamento desta área cerebral, surge o problema da desatenção, procrastinação, má gestão do tempo, entre outros sintomas que tanto atrapalham a vida da criança e do adultos", esclarece a psicóloga.

Os sintomas entre adultos e crianças são diferentes. Transformam-se ao longo da vida. Os sinais de Hiperactividade tendem a desaparecer mas os de desatenção mantêm-se ao longo de toda a vida. Nos adultos é muito comum a proscrastinação, a impulsividade, a má gestão dos sentimentos de frustração, a imaturidade, a irresponsabilidade, tendência para a adição e comportamentos de risco e uma péssima relação com a gestão do tempo. 

O diagnóstico destes casos apresenta grande complexidade, pois ainda não há grande concordância na comunidade científica sobre os seus critérios. Nos Estados Unidos da América (EUA), já trabalham esta área há décadas, inclusive os adultos são medicados e seguidos por terapeutas comportamentais. No entanto, em Portugal a intervenção na PHDA dos adultos ainda está a dar os primeiros passos.

Maria João Ferro é das primeiras psicólogas a trabalhar nesta área no nosso país e tem a experiência do modelo SPARK, criado pelo Prof. Dr. John Ratey, Psiquiatra e Professor na Harvard Medical School - que tenta ajudar estes adultos, sem recorrer à medicação.

Este método valoriza a relação CORPO-CÉREBRO. Encara o cérebro (em especial os "preguiçosos" – dos indivíduos com PHDA) como um músculo que pode ser treinado pelo exercício físico. Ratey defende que através do exercício regular (3 x por semana, 20m mínimo de cada vez) se melhoram a atenção, a concentração, a memória de trabalho, o comportamento e a disciplina vs indisciplina.
Por: Solange Sousa Mendes

A problemática do diagnóstico da Perturbação de Défice de Atenção e Hiperactividade

Caminos
Em Portugal, ainda há muitos condicionalismos culturais e sociais para quem sofre de Perturbação de Défice de Atenção e Hiperactividade – PHDA -, e o seu diagnóstico não se baseia em nenhum critério padrão.


A Perturbação de Défice de Atenção e Hiperactividade levanta questões para as quais não existem respostas concretas nem objectivas. Uma delas tem a ver com as dificuldades relacionadas com o diagnóstico: A partir de quando é que aparece a PHDA? Em que idade? A partir de que momento? São questões que continuam sem respostas objectivas.
Segundo a Psicóloga Maria João Ferro, a complexidade deste problema começa quando nos deparamos com a não existência de marcador para o diagnóstico, ou seja, não existe um exame biológico ou teste psicológico que nos permita obter um resultado que nos diga se um indivíduo sofre ou não desta perturbação. Apenas existem dados da história de vida da criança ou do adulto, como comportamentos, sinais, sintomas e atitudes que levam os médicos e os técnicos de saúde mental a realizar esse diagnóstico.
A psicóloga considera que a PHDA pode manifestar-se em qualquer idade, motivada por circunstâncias distintas, como as da personalidade ou pelos factores ambientais. Contudo também pode depender da intensidade dos sintomas. Os mais marcantes, por exemplo, manifestam-se em tenra idade. Não há, portanto, uma idade certa para o diagnóstico da PHDA. "Na Harvard Medical School já houve mesmo casos de pessoas a manifestar esta perturbação aos 75/80 anos", acrescenta.
Em Portugal o inicio da escolaridade marca grande parte dos casos de PHDA. A entrada no 1º e 2º ciclos potencia a procura de ajuda profissional, acabando por ser nesta altura que são detectados. Como os miúdos se sentem mais pressionados pela mudança de vida - a ida para escola -, é nesta fase que os sintomas emergem. "Os sintomas são mais claros, as lacunas surgem de forma mais explícita, a imaturidade evidencia-se e a criança apresenta sérias dificuldades em gerir o tempo, as tarefas e a sua própria aprendizagem", conclui Maria João Ferro.
A primeira consulta consiste num pedido de Avaliação Psicológica para despiste das problemáticas que levam a criança, por exemplo, a não conseguir ler, escrever ou realizar contas de dividir. "Quando os sinais de agitabilidade motora são ténues, ou seja quando a PHDA é caracterizada essencialmente pelos sinais de desatenção, sinto que a procura de ajuda acontece mais tardiamente, do que quando temos uma criança muitíssimo agitada em termos físicos e que exibe algumas dificuldades de autocontrolo comportamental. Neste último caso tenho crianças, na minha consulta, com 2, 3 anos que já exibem problemas de relacionamento familiar e de contexto escolar, em especial pelos confrontos com os pares e pelo incumprimento de regras". esclarece.
Nos adultos a questão é diferente. Maria João Ferro considera que em Portugal esta perturbação está aquém do esperado e que apesar de ser um tema abordado em conferências, seminários e congressos, e de existirem práticas clínicas que a levam em linha de conta, ainda não é considerado na Consulta de Saúde Mental. Desta forma, os adultos acabam por ser intervencionados pelos efeitos colaterais, pelas co-morbilidades, e não pela Desatenção e/ou Hiperactividade. Ou seja, são tratados os efeitos secundários, mas não os de base (pelo menos de forma directa). A psicóloga utiliza a expressão subdiagnóstico para definir o caso português.
"As questões do diagnóstico são complicadas e estão ao dispor das ideias preconcebidas e tabus de pais, professores e técnicos. Sinto uma certa compulsividade para o diagnóstico em Portugal, uma grande ansiedade para catalogar, em dar um nome a comportamentos e atitudes. Acredito, por outro lado, que estamos perante diagnósticos realizados com muita ligeireza, muitas vezes levados a cabo com muita irresponsabilidade e desinformação". Conclusão, nem todos os profissionais de saúde mental estão devidamente equipados e formados para proceder ao diagnóstico do PHDA.
Por: Solange Sousa Mendes

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Desenvolvimento da criança cega


Desenvolvimento da criança cega
A cegueira não é um impedimento para que a criança consiga ter desenvolvimento harmonioso, tanto sócio-afectivo como cognitivo

Desenvolvimento sócio-afectivo
Enquanto que na criança com visão, esta tem um papel fundamental a reconhecer a cara da mãe, as suas expressões faciais, e principalmente na exploração do meio que a rodeia, a criança cega tem de recorrer ao tacto, à audição e ao olfacto para criar esse laço afectivo com o cuidador e para receber informação sobre os objectos e o meio que a rodeia.
Ao final do 1º mês começa a tocar no rosto das pessoas próximas, a partir do 5º mês este comportamento apenas se verifica nas pessoas conhecidas e a partir do 7º mês já é capaz de reconhecer pessoas estranhas através do tacto, da voz (audição) e do olfacto (cheiro).
Nas interacções sociais, a criança com deficiência visual não tem a noção dos sinais não verbais de comunicação tais como gestos ou expressões faciais, como tal é importante proporcionar lhe outros estímulos, normalmente através da fala, para que ela possa assimilar a informação correctamente.
Desenvolvimento Cognitivo
Durante muito tempo considerou-se que as crianças invisuais tinham um atraso cognitivo em relação às crianças normais. Actualmente sabe-se que não é verdade.
No entanto, sabe-se que a criança invisual tem dificuldades ao nível do desenvolvimento cognitivo causadas pela ausência de percepção visual. As suas maiores dificuldades estão presentes na categorização e ordenação dos objectos, na noção de permanência do objecto e na formação de conceitos.
Na formação de conceitos a visão é muito importante pois vai integrar toda a informação que foi apreendida pelos outros órgãos sensoriais, uma criança normal, ao mesmo tempo que cheira, ouve e toca num cavalo, também o está a ver e a interiorizar a sua imagem. Na criança cega, a falta de visão terá neste caso de ser compensada por um adulto, que através do diálogo lhe evidencia os aspectos relevantes do cavalo e é a partir destes aspectos que a criança vai criar o seu conceito.


A categorização de objectos e pessoas é complicada devido a não existir capacidade de visualizar os objectos para posteriormente os separar e ordenar pelos seus atributos. A criança invisual terá então de aprender a categorizar através da indicação verbal dada pelo adulto, ou pela percepção táctil, sendo que é importante que lhe sejam verbalizados os atributos que diferenciam um objecto do outro.


A noção de permanência do objecto é muito mais difícil de adquirir para o bebé cego pois para ele o objecto deixa de existir assim que perde o contacto com ele ou deixa de ouvir o seu som. Só a partir dos 7 meses é que a criança começa a apresentar o comportamento normal de agarrar um objecto e a partir dos 9 meses começa a procurar objectos que já teve na mão anteriormente. Aos 12 meses procura objectos indo ao encontro dos sons, mesmo que ainda não tenha tido qualquer contacto com o objecto.


Texto da autoria de Drª Teresa Paula Marques 
Psicóloga Clínica, especialista em Psicologia Infantil e do Adolescente

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Novo espaço para jovens com Asperger

Lisboa: Novo espaço para jovens com Asperger



A Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA) vai abrir um Centro de Atividades Ocupacionais e uma Residência Autónoma para pessoas com Síndrome de Asperger (SA). O projeto deve estar concluído dentro de um ano.
Arrancaram as obras de requalificação de um edifício do século XVII na Quinta da Granja, em Benfica. Com este novo espaço, “Casa Grande”, a APSA pretende dar formação, emprego e residência a jovens com mais de 16 anos, habilitações literárias a partir do 9º ano de escolaridade e Síndrome de Asperger.
Segundo o site oficial da APSA, “existe um número significativo de portadores de SA que deixa a escola a partir dos 16 anos, surgindo então os primeiros problemas na inserção na vida ativa. Embora a legislação portuguesa contemple a possibilidade de recurso ao emprego protegido, na prática tal não se verifica”.
É por esta razão que nasceu o projeto “Casa Grande”, “um espaço de formação, de treino de competências sociais e de emprego temporário, favorecendo a integração social e profissional, tendo em vista a construção de um projeto de vida futuro, com maior autonomia”.

40.000 portadores do Síndrome em Portugal
Esta doença comporta uma perturbação neurocomportamental, de origem genética, que se manifesta por alterações sobretudo na interação social, na comunicação e no comportamento.
Segundo a APSA, “os portadores de Síndrome de Asperger acabam por se isolar e limitar os seus interesses a determinados temas assuntos, atitude que prejudica ainda mais a sua relação com o outro”.
Em Portugal existem cerca de 40.000 portadores de Síndrome de Asperger, afetando maioritariamente os rapazes.

Uma casa com vários objetivos
A “Casa Grande” tem dois objetivos fundamentais. Em primeiro lugar, “Contribuir para a formação e a inserção na vida ativa de portadores de Síndrome de Asperger (SA), promovendo a autonomia e tornando-os responsáveis pela construção do seu projeto de vida”.
Por outro lado, a APSA pretende também “assegurar respostas sociais de apoio aos portadores de SA e famílias, como forma de prevenir processos de exclusão e de favorecer a integração social e as condições para uma vida mais digna”.
Assim, esta casa vai contar com espaços informáticos e de acesso à internet, serviços de reprografia, impressão e multimédia, serviços de lavandaria, costura e cozinha, funcionamento de um quiosque, realização de ações de formação, entre outros.
Para além de poderem estar melhor integrados na sociedade e no mercado de trabalho, estes jovens vão prestar serviços de apoio à comunidade.

Como pode ajudar
Neste momento, o projeto “Casa Grande” está disponível para receber ajuda de quem quiser colaborar. Qualquer pessoa pode apoiar a associação através de cheques (à ordem de Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger), vales de correio e transferências bancárias para o NIB Banco Millennium bcp: 0033 0000 453717070300 5.

Clique AQUI para aceder à página oficial do projecto.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Com as pernas amputadas, corre mais depressa que os outros




Oscar Pistorius nunca deixou que a sua alegada deficiência fosse uma limitação. Agora dizem que é uma vantagem.
Em princípio não devia haver dúvidas. Um atleta com as pernas amputadas correrá mais devagar do que um atleta de 'corpo inteiro'.
Aos onze meses, uma doença obrigou a amputar-lhe ambas as pernas abaixo do joelho. Ele jamais deixou que isso o limitasse. Com as suas próteses de fibra de carbono, faz o que os outros atletas fazem: trabalha sem parar e consegue resultados.
Após concorrer nos paralímpicos de Atenas em 2004, começou a participar em campeonatos para atletas sem deficiência. Quase conseguiu ir aos jogos olímpicos de 2008, mas acabou por não ser selecionado pelo comité olímpico local.
Em julho passado, atingiu a marca de 45.07 nos quatrocentos metros, o que o qualifica para as Olimpíadas de 2012 em Londres e para os campeonatos mundiais de atletismo já este mês. Entre 27 de agosto e 4 de setembro, estará em Daegu, na Coreia do Sul.
Cada vez mais faz jus à alcunha 'Blade Runner', que entretanto recebeu. 
De facto, até agora era assim. Mas o atleta sul-africano Oscar Pistorius está a mudar as coisas.

Uma vantagem metabólica? 


Como o sucesso atrai sempre contestatários, tem havido quem o queira impedir de competir, argumentando que as próteses lhe concedem uma vantagem metabólica.
Como há quem afirme exatamente o oposto, e ambas as opiniões são secundadas por qualificados especialistas, é muito provável que ele vá mesmo a Londres.
Em Daegu estará igualmente presente o atleta Caster Semenya, um seu compatriota, também ele objecto de muito polémica, embora por motivos diferentes. No seu caso, era uma questão de identidade sexual.
Também aí o problema foi ultrapassado. Ganhou o desporto.
In: Expresso

domingo, 7 de agosto de 2011

Miopia tratada durante a noite






Estima-se que em Portugal haja cerca de dois milhões de pessoas que sofrem de miopia. Dessas, apenas três por cento usam lentes de contacto nocturnas para corrigir o problema.


A terapia corneal refractiva (TCR) é uma técnica não cirúrgica que permite, através do uso nocturno de lentes de contacto especialmente desenhadas para o efeito, reduzir a miopia e o astigmatismo dos pacientes.
O segredo está na curva inversa da lente, que, em vez de acompanhar em paralelo a curvatura do olho, tem uma geometria inversa e, por isso, faz pressão na zona central da córnea. É esta pressão que permite aplanar a curva da córnea e, desta forma, corrigir a miopia, pois os raios luminosos passam a ter o seu foco na retina, o que não acontece com os pacientes míopes.
As lentes, que são aplicadas apenas durante a noite, são rígidas, feitas com materiais de silicone e permeáveis aos gases, o que permite que a córnea respire, pois continua a receber oxigénio.
José Batoca, especialista em optometria, disse ao CM que este é "um processo bastante satisfatório, pois garante uma visão normal depois de tirar as lentes até ao fim do dia e até mais".
O tempo de tratamento varia consoante os valores de miopia e de astigmatismo, mas por norma, até um mês, os pacientes recuperam a sua visão a cem por cento. "Não é um tratamento definitivo. Tem de se utilizar as lentes todas as noites ou, em alguns casos, noite sim, noite não. Mas tem de ser sempre, senão a córnea volta à sua disposição normal."
O MEU CASO: LEONOR ALVES
"ACABARAM OS PARES DE ÓCULOS"
Leonor Alves, de 23 anos, começou a usar óculos há dez anos, quando se apercebeu de que tinha dificuldades em ler o que os professores escreviam no quadro. Licenciada em Relações Internacionais, a jovem, que mora em Oeiras, confessa que nunca gostou de usar óculos. "Tornei-me cada vez mais dependente de óculos. Aquilo que começou por ser apenas um recurso tornou-se indispensável no meu dia-a-dia, fosse a conduzir, na praia ou em concertos", recorda.
O desconforto, aliado ao facto de todos os anos ter de comprar lentes novas, levou-a a procurar outras soluções. "Tentei usar lentes de contacto diurnas, mas fui desaconselhada, porque tenho falta de lágrima e, por isso, não sou uma boa candidata", lembra. Quando já se tinha conformado com a necessidade de usar óculos, Leonor descobriu, através de um amigo, as lentes de contacto nocturnas, que considera "extremamente vantajosas". "Acabaram-se os óculos na minha vida. Vou a todo lado e não tenho qualquer dificuldade em ver sem óculos."
Há quatro meses que Leonor usa as lentes todas as noites.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Normal na França, doente nos Estados Unidos (TDAH)


Acho curioso o altíssimo índice de casos de TDAH, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, nos Estados Unidos. Há tempos me pergunto se a cultura de um país pode influenciar o diagnóstico. Conversando com Stuart Kirk, autor do livro sobre a história do DSM — Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, manual das doenças mentais editado nos Estados Unidos  –, ele me sugeriu procurar o professor Manuel Vallee, da Universidade de Berkeley, na Califórnia.
Manuel Vallee é formado em antropologia, com PhD em sociologia.
Ele se especializou em sociologia médica e está terminando de redigir a tese “Desconstruindo a Epidemia Americana de Ritalina: Contrastando o Uso da Ritalina EUA-França”. Ele decidiu comparar o olhar dos psiquiatras franceses com o dos americanos no que diz respeito ao TDAH.
Até os anos 70, a grande maioria dos psiquiatras americanos praticava a psicanálise e, por isso, olhava sintomas das doenças como sinais que deveriam ser compreendidos e estudados, não como problemas em si. O que antes servia de porta de entrada para conhecer o outro passou a ser o foco do tratamento.
Assim, a tendência dominante hoje, pelo menos aqui, é de tirar o indivíduo de seu contexto social e isolar os sintomas. É uma forma de enquadrar a psiquiatria nas fronteiras bem explícitas da medicina biológica, com doenças claramente reconhecíveis e tratáveis. Com isso, elimina-se a subjetividade, o impacto do meio social sobre o individuo. Daí, o recurso fácil às drogas.
Recentemente, o jornalista Jed Bickman publicou, no site Counterpunch, um artigo alertando que em breve poderemos ter repetido, com as drogas para  esquizofrenia e os antipsicóticos, o fenômeno que aconteceu com a ritalina: receitas em número cada vez maior para jovens e crianças.
Mas, na entrevista com o dr. Manuel Vallee, tratamos apenas do transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, o TDAH.

Viomundo – Como o senhor se interessou em estudar o tratamento do TDAH, doença que hoje já se considera uma epidemia nos EUA?
Manuel Vallee – Quando estava na universidade, fiz uma cadeira de antropologia médica e o meu professor, que era espanhol, me perguntou se eu estava trabalhando em algum lugar. Quando disse que estava trabalhando em um agência de publicidade, com a conta de uma empresa farmacêutica, ele ficou doido. Passou meia hora me falando o que eu podia fazer. Fiquei pensando no que fazer.  Comecei a desenvolver uma atitude mais crítica em relação à indústria farmacêutica. Como estudante, fiz análise da CHADD (Children and Adults with ADHD, Organização Americana de Crianças e Adultos com TDAH). Descobri que eles estavam brigando para desregulamentar a venda de Ritalina. Alguns jornalistas descobriram, depois, que a organização tinha financiamento da indústria farmacêutica. Quando essa informação veio à tona, eles pararam de brigar pela liberação da Ritalina.
Quando estava estudando a CHADD, tive a oportunidade de fazer um projeto de pesquisa na França. Primeiro, queria estudar o uso de antidepressivos. Mas era igual nos dois países [Estados Unidos e França].  O meu orientador me disse: “O que você precisa é encontrar um país que seja muito semelhante, mas onde os resultados sejam completamente diferentes”.  Comecei a olhar para outras drogas e percebi que com a Ritalina isso acontecia.
Os franceses adoram um remedinho. É um consumo altíssimo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, os Estados Unidos são os líderes no consumo per capita de remédios. A França vem em terceiro lugar.  Mas, na França, é mais difícil dar Ritalina às crianças.  Na minha visão, isso tem relação direta com quem domina o campo da TDAH. Nos Estados Unidos, a psiquiatria biológica ganhou poder nos anos 80, depois da publicação do DSM III (o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, ou Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais). Mas, na Franca, a psiquiatria biológica não tem o mesmo poder. E os psiquiatras biológicos não são os que lidam com o problema do TDAH.
Na Franca, os psiquiatras são treinados na psicanálise e aqui, são treinados na psiquiatria biológica, o que provoca diferenças fundamentais no conceito da TDAH. Aqui, é uma doença biológica e na França é um distúrbio de efeito psicológico causado por algum trauma ou pelo ambiente social e o tratamento é terapia psicológica, aconselhamento familiar, terapia de grupo, terapia da fala… é um olhar mais holístico.
Viomundo – Antes de começar seu estudo, o senhor tinha alguma conexão pessoal ou acadêmica com a França?
Manuel Vallee – Sou franco-canadense, falo francês fluentemente. Isso ajudou muito no trabalho. Foi um dos motivos e tive oportunidade de levantar financiamento para a pesquisa lá.  Fazia mais sentido do que ir para a Itália ou um país escandinavo.


Viomundo -E quais são os resultados desses tratamentos diferentes nos dois países?
Manuel Vallee – Países diferentes adotam estatísticas diferentes. Na França, eu consegui dados sobre o uso da Ritalina, mas não sobre os diagnósticos, por exemplo. Olhando os resultados aqui, eles também não são claros.
Por exemplo, dizem que as crianças têm um rendimento melhor com a Ritalina. Mas todo mundo tem. Ela foi usada, originalmente, para manter pilotos [da aviação] focados e acordados. Então, o que você quer dizer com resultados? Qual é o resultado em três meses? Bom, mas e depois? Não encontramos estudos de longo prazo. A indústria farmacêutica é que financia os estudos e não tem nenhum interesse em estudar isso. A não ser que seja obrigada.
Alguns estudos mostram que as drogas perdem a eficácia depois de seis meses. É preciso descobrir se ajudam as crianças mesmo. E depois de dois anos, dez anos? Existem resultados negativos para a saúde? Existem vários. O FDA (Food and Drug Administration, agência federal que regulamenta o consumo de remédios e alimentos nos EUA) teve que botar uma tarja preto na caixa do remédio. alertando que ele pode provocar alucinações, problemas cardíacos, derrame e até a morte. Para algumas crianças que têm disposição genética, a Ritalina foi apontada como causa de problemas cardiovasculares, houve casos de crianças que morreram.
Viomundo – Recentemente, foi divulgado um estudo dizendo que a Ritalina não provoca problemas cardiovasculares. Mas o pé da reportagem dizia que o estudo tinha sido financiado pela indústria farmacêutica.
Manuel Vallee – Sob o olhar crítico da Ciência, esses estudos não têm valor. Eu recomendo a você o livro do John Abramson, “Overdosed America: The Broken Promise of American Medicine”.  Ele é da Universidade Harvard e foi treinado para analisar pesquisas. Ele encontrou vários problemas com os artigos publicados no Lancet, no Journal of the American Medical Association (JAMA), no New England Journal of Medicine. Deu-se conta de que as conclusões eram fraudulentas, afirmações feitas sem base. E acabou descobrindo a indústria farmacêutica por trás, financiando as pesquisas. Ele deixou claro que os estudos financiados pela indústria não são confiáveis.
O psiquiatra britânico David Healy também fez muita pesquisa sobre a indústria farmacêutica e foi consultor do grupo que processou os fabricantes do Prozac e de outros antidepressivos. Por isso, teve acesso a todos os dados e descobriu que o antidepressivo não tem nenhum benefício significativo, quantitativamente, quando usado para crianças. E, com adolescentes, na verdade aumenta o risco de suicídios. Ele descobriu que quando as indústrias mandam pesquisas à FDA pedindo a aprovação de remédios, elas escolhem apenas o que tem de positivo no resultado, para promover. Ele provocou um furor e muitos protestos na FDA.
Viomundo – Começando pelo diagnóstico do TDAH, ele difere muito nos Estados Unidos e na França?
Manuel Vallee – O DSM (nos Estados Unidos), o sistema da França e a classificação da Organização Mundial de Saúde deveriam ser bastante similares, mas existe uma grande diferença entre esses sistemas de classificação.


Viomundo – O dos Estados Unidos é mais abrangente?
Manuel Vallee – Para a classificação do TDAH é bem mais abrangente que o sistema da Organização Mundial de Saúde. Os americanos dizem que o sistema da OMS tem muitos defeitos. Enquanto isso, os britânicos dizem que os americanos estão completamente loucos. Você conhece a Lynn Payer? Ela é jornalista americana da área médica e escreveu um livro chamado “Medicine and Culture”, onde mostra o preconceito etnocêntrico de cada país. Todos acham, sendo os fundadores da Medicina moderna, que têm o monopólio da maneira certa de fazer as coisas. O que eu achei interessante entre os americanos e os franceses é que o DSM-IV leva a um diagnóstico de TDAH em 5% das crianças do país, enquanto o método da França atinge 1%. Então, a versão americana leva a um volume de diagnósticos cinco vezes maior.


Viomundo – Que outras diferenças existem na hora de fazer o diagnóstico?
Manuel Vallee – Na França, eu ouvi repetidas vezes que o TDAH é uma das doenças mais difíceis de diagnosticar porque tem tantos aspectos diferentes. É muito importante ter um extensivo e rigoroso processo. Analisar todas as opções para ter certeza de que foram eliminadas todas as possíveis explicações alternativas. Você só pode chegar ao diagnóstico depois de eliminar toda e qualquer outra explicação. Os franceses dizem que esse processo, em geral, leva entre oito e 24 horas.  E eles preferem dar de 8 a 24 horas de avaliação, com psicoterapeuta, assistente social e tudo mais. Mesmo os que defendem com força o uso da Ritalina nunca chegam ao diagnóstico com menos de 8 horas de avaliação.
Aqui nos Estados Unidos, o tempo gasto para se chegar a um diagnóstico de TDAH para criança é de 45 minutos. E a média é de 22 a 72 minutos. É claro que existem exceções…
Nos EUA, o campo do TDAH é dominado pelos pediatras. Eles lidam com a grande maioria dos casos. E prescrevem 70% dos remédios consumidos pelas crianças.

Viomundo – Nem mandam a criança para um psiquiatra?
Manuel Vallee – Não. E quando você começa a olhar para isso mais profundamente, fica complicado, porque existem muitos fatores contribuindo para o resultado final. Nos Estados Unidos, você pode encontrar médicos que gostariam de passar mais tempo com a criança. Mas eles são avisados pelo HMO [health maintenance organization, organização que sob a lei americana pode oferecer atendimento em certos hospitais e com certos médicos] ou pela empresa de seguro de saúde que serão reembolsados apenas por uma visita de 45 minutos. Qualquer tempo extra que eles investirem no caso vai ter que sair do bolso deles. Temos um sistema que conspira para essa abordagem completamente diferente de tratamento.
Viomundo – Que outras diferenças o senhor encontrou, nos dois países, com relação ao tratamento do TDAH?
Manuel Vallee – Além do tratamento mais holístico, que envolve a escola e a família, os franceses ensinam os pais a reconhecer melhor os pontos fracos e fortes dos filhos. Também levam a Ritalina em conta, mas apenas como último recurso. Nunca como tratamento único. Fiz questão de procurar os médicos que defendem o uso da Ritalina na França. E até mesmo eles disseram que jamais usam apenas o remédio. Enquanto isso, nos EUA, 70% das crianças diagnosticadas com TDAH tomam Ritalina, ou um outro estimulante. E em 50% dos casos, é tudo que recebem. Então, é um tratamento completamente diferente nos Estados Unidos e na França.
Agora, existem pais, nos Estados Unidos, que buscam um tratamento mais holístico. Terapia, aconselhamento, mas têm que montar o pacote sozinhos.  E é mais caro. Um dos motivos pelos quais o sistema francês pode oferecer esse tratamento mais holístico é porque é pago pelo governo. 85% do custo são pagos pelo governo.


Viomundo – Esse é outro aspecto que influencia as decisões: o tipo de sistema de saúde que existe nos EUA?
Manuel Vallee – Ou a falta de um sistema de saúde… Outra coisa que acontece nos Estados Unidos está ligada ao treinamento de professores. Quando a criança chega ao consultório do pediatra ou do psiquiatra, ele já tem todo um dossiê, informações sobre aquela criança, fornecidas pela escola. O sistema produz incentivo na direção de um diagnóstico. Eu sei que houve muita resistência quando a indústria farmacêutica tentou treinar os professores na França. O Ministro da Educação combateu veementemente dizendo que esse não é o papel dos professores. Eles têm que ensinar e não diagnosticar. Para isso existem os médicos.
Viomundo – O professor olha apenas para o comportamento da criança, mas não sabe qual é o contexto. E a impressão que eu tenho do sistema, aqui, é que na maior parte do tempo, todo mundo é retirado do seu próprio contexto e analisado com base apenas nos chamados sintomas, que podem ser apenas uma reação a isso ou aquilo. Por isso acho difícil entender um psiquiatra pegar um questionário sobre o comportamento da criança, preenchido pelo professor, outro dos pais, olhar a criança por 25 minutos e chegar a um diagnóstico sem saber de onde vem essa criança, qual é a história da vida dela.
Manuel Vallee – Exato. É a descontextualizarão do indivíduo.
Viomundo – Isso também leva os profissionais a se apoiarem mais em remédios?
MV – Com certeza! Mas não é apenas isso. Eu dou aula de sociologia médica e sempre peço aos meus alunos que olhem para a individualização das doenças. Não apenas psiquiátricas, mas todas elas. Quando a pessoa aparece no consultório por causa de asma ou diabetes, o que fazem é individualizar a doença. Encontrar algo errado com o comportamento do paciente. Ver se pode haver algo errado com os genes da pessoa. Mas ninguém fala do quadro geral.
Por que as crianças que vivem perto de um porto têm vinte vezes mais casos de asma do que as outras? Então, ninguém fala do contexto social, ninguém discute porque as pessoas que vivem nas áreas mais pobres de Richmond, com menos acesso a comida de qualidade, têm índices de câncer mais elevados. Para cada incidência de doença vamos encontrar que as classes mais baixas têm menos acesso a recursos e têm índices maiores de doenças. Esta tem sido a tendência nos Estados Unidos, nos últimos 50 anos. E desde a publicação do DSM-III a psiquiatria parece estar tentando seguir essa tendência de descontextualizar as doenças. Fomos relegados a esse tipo de solução, que tem como alvo o nível biológico das coisas. Ninguém olha para as causas sociais. E eu acho que a descontextualizarão das doenças é ainda mais importante para as doenças mentais, me parece.
Viomundo – No resumo do seu trabalho, que ainda vai ser publicado, o senhor diz que os países do Terceiro Mundo devem ficar alertas. Por quê? Em algumas escolas brasileiras já existem programas de cooperação com psiquiatras, para treinar professores no reconhecimento de crianças com TDAH na sala de aula…
Manuel Vallee – Isso também acontece aqui. Você conhece o Peter Breggin? Em um dos livros dele, ele fala dos seminários para professores que são organizados pela indústria farmacêutica. Não foquei nessa área. Ainda quero pesquisar o papel da escola na produção dessa epidemia. Não tive oportunidade ainda e decidi focar primeiro na comunidade médica, para ver quem lida com TDAH e qual é a predisposição deles para analisar isso. Quando terminar, vou olhar mais detalhadamente para o papel que a educação desempenha nessa história de medicalizar as crianças com Ritalina.
Heloisa Villela, de Washington